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ARESTAS

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Apontamentos sobre Crítica da razão negra de Achille Mbembe

Citações de: Achille Mbembe (2014). Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona.

 “(...) a raça será um complexo perverso, gerador de medos e de tormentos, e de problemas do pensamento e de terror, mas sobretudo de infinitos sofrimentos e, eventualmente, de catástrofes.” (Mbembe, 2014, 25)

Face à transformação da economia da violência no mundo, os regimes democráticos liberais consideram-se agora em estado de guerra quase permanente contra novos inimigos fugidios, móveis e reticulares.”(Mbembe, 2014, 48)

A raça, deste ponto de vista, funciona como um dispositivo de segurança fundado naquilo que poderíamos chamar o princípio do enraizamento biológico pela espécie. A raça é, simultaneamente, ideologia e tecnologia do governo.” (Mbembe, 2014, 71)

Sou um ser humano, e isso basta. O Outro pode disputar em mim esta qualidade, mas nunca conseguirá tirar a minha pele ontológica.” (Mbembe, 2014, 88)

"A ordem colonial baseia-se na ideia segundo a qual a Humanidade está dividida em espécies e subespécies, que podemos diferenciar, separar e classificar hierarquicamente. Tanto no ponto de vista da lei como em termos de configurações espaciais, tais espécies e subespécies devem ser mantidas à distância umas das outras." (Mbembe, 2014, 119)

"A ideia moderna da democracia, tal como o próprio liberalismo, é portanto inseparável do projecto de globalização comercial, do qual a plantação e a colónia são o epicentro." (Mbembe, 2014, 142)

"O medo racial, em particular, foi desde sempre um dos pilares da cultura do medo intrínseca à democracia liberal. A consequência deste medo, lembra Foucault, tem sido o crescimento de processos de controlo, de coacção e de coerção, que, longe de serem aberrações, surgem como contrapartida às liberdades." (Mbembe, 2014, 144)

"(...) é a raça que efectivamente permite fundar, não apenas a diferença em geral, mas também a própria ideia de nação e de comunidade, uma vez que são determinantes raciais que servem de base moral à solidariedade política. A raça é a prova ( ou, por vezes, a justificação) para a existência da nação.” (Mbembe, 2014, 158)

Por outras palavras, África só existe a partir de uma biblioteca colonial por todo o lado imiscuída e insinuada, até no discurso que pretende refutá-la, a ponto de, em matéria de identidade, tradição ou autenticidade, ser impossível, ou pelo menos difícil, distinguir o original da sua cópia e, até, do seu simulacro. Assim, a identidade negra só pode ser problematizada enquanto identidade em devir. Nesta perspectiva, o mundo deixa de ser, em si, uma ameaça. O mundo, pelo contrário, torna-se uma vasta rede de afinidades. (…) Há uma identidade em devir que se alimenta simultaneamente de diferenças entre Negros, tanto do ponto de vista étnico, geográfico, como linguístico, e de tradições herdeiras do encontro com Todo o Mundo.” (Mbembe, 2014, 166-167)

"Todo o poder, por princípio, só é poder pelas suas capacidades de metamorfose” (…) Ter poder é, portanto, saber dar e receber formas. Mas é também saber desprender-se de formas dadas, mudar tudo e permanecer o mesmo, desposar formas de vida inéditas e entrar sempre em relações novas com a destruição, a perda e a morte. O poder é também corpo e substância. Numa primeira instância, é corpo-feitiço (…). Mas é também um corpo-adorno, um corpo-ornamento, um corpo-cenário.(...) O poder é farmácia pela sua capacidade de transformar os recursos da morte em força germinadora – a transformação a conversão de recursos de morte em capacidade de cura.” (Mbembe, 2014, 227)

"A cor negra não tem, portanto, sentido. Só existe por referência a um poder que a inventa, uma infra-estrutura que a suporta e a contrasta com outras cores e, por fim, num mundo que a designa e a axiomatiza.(...) No fundo, só existe “Negro” em relação a um “Senhor” (…). Fora desta dialéctica da posse, da pertença e plástica, não existe “negro” enquanto tal." (Mbembe, 2014, 257-258)

"Neste caminho, os novos condenados da Terra são aqueles a quem é recusado o direito de ter direitos, aqueles que, segundo se pensa, não se devem manifestar, os condenados a viver em toda a espécie de estruturas de reclusão – os campos de concentração, as prisões de passagem, os milhares de lugares de detenção espalhados pelos nossos espaços jurídicos e policiais.(...) Os novos condenados da Terra são o resultado de um brutal trabalho de controlo e de selecção cujos pressupostos raciais são bem conhecidos." (Mbembe, 2014, 296)

"A verdadeira política de identidade consiste em incessantemente alimentar, actualizar e reactualizar as suas capacidades de auto-invenção. (…) É verdade que o mundo é antes de mais uma forma de relação consigo mesmo. Mas não há nenhuma relação consigo mesmo que não passe pela relação com o Outro." (Mbembe, 2014, 297)

"Assim, só existe mundo por nomeação, delegação, mutualidade e reciprocidade." (Mbembe, 2014, 300-301)

"(...) a construção do comum é inseparável da reinvenção da comunidade." (Mbembe, 2014, 305)

 

 

Sobre o Mestre Ignorante de Jacques Rancière

Em 1987, Jacques Rancière relembra a experiência educativa de Joseph Jacotot, trazendo dois elementos importantes para alimentar o debate sobre as escolas públicas: a “igualdade das inteligências” e a “emancipação intelectual”. Na actualidade, se a reflexão acerca das inteligências tem vindo a desenvolver novos caminhos e concepções que permitem orientar abordagens práticas e teóricas no campo das aprendizagens e da compreensão do ser,  o conceito genericamente aceite na sociedade, ainda se encontra demasiado construído sobre o estabelecimento de diferenças ordenadas por níveis para terem o efeito verdadeiramente revolucionário nas nossas sociedades. Contudo, voltar à questão da "igualdade das inteligências" (sendo que aqui “igualdade” remete para a condição geral, inata e partilhada, de predisposição para) é questionar as noções de progresso, de níveis e nivelamento, de classes sociais e de conceitos/preconceitos estabelecidos sobre convenções arbitrárias. A noção de "emancipação intelectual" implica o derrubar das mesmas convenções e passa pelo exercício da liberdade e a confiança na capacidade intelectual do Eu e do Outro. No campo da educação, obriga-nos a revisitar e reflectir sobre todas as relações envolvendo Sujeito - Objecto – Meio - Agente.

 

Leitura de «O comunismo nunca existiu»

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 O comunismo nunca existiu - A guerra civil europeia 1917-1945 (2014). Edições Antipáticas. Seis autores. Seis textos harmoniosamente organizados e uma introdução. Um título que provoca curiosidade e que apresenta a seguinte definição: 

«O comunismo é para nós o movimento real que supera esse estado de coisas, que desnaturaliza as relações sociais vigentes, que interrompe o curso habitual da história para desenhar com um gesto livre a possibilidade de uma vida outra, de um mundo para lá do Estado e do trabalho assalariado, assente na partilha e na produção comum, pelo qual nos possamos libertar do reino da necessidade. É a essa luz que lemos a teoria e a história do movimento operário, que nos procuramos apropriar de ferramentas e conceitos de crítica tanto da economia política como das formas de poder, que nos empenhamos nos combates do nosso tempo e que insistimos em disputar uma palavra que continua a significar para nós exactamente o contrário daquilo que veio a representar durante grande parte do século XX.» (2014: 7-8)

O primeiro texto de João Valente Aguiar, intitulado: «A organização da desorganização. Acção autónoma, ambiguidades e a reconstrução das hierarquias na revolução russa de 1917-18» que nos esclarece sobre os Comités de fábrica, o controlo operário em auto-organização e a consolidação da hetero-organização  leninista e do capitalismo de estado.

O segundo texto, intitulado « Kronstaadt 1921», é um excerto das memórias do revolucionário Victor Serge, entre os primeiros a identificar e definir o totalitarismo, inicialmente uma palavra utilizada pelos antifascistas italianos e retomada pelos fascistas nas palavras do Duce, Benito Mussolini, a palavra deu lugar a um consistente trabalho de Hannah Arendt sobre a matéria, intitulado «As origens do totalitarismo» (1951).

O terceiro texto, intitulado «Bolchevismo Europeu» de António Louçã, mergulha-nos na Revolução Alemã, as relações com a Internacional Comunista, as críticas dos dirigentes spartakistas ( Rosa Luxemburgo, Leo JogichesPaul Levi e Karl Liebknecht), a fundação do Partido Comunista da Alemanha (KPD).

O quarto texto, intitulado «Fazer a revolução para ganhar a guerra - dilemas comunistas em Espanha (1936-39)» de Miguel Suárez,visita o que aconteceu em Barcelona em 1937.

O quinto texto de Ricardo Noronha intitula-se «Todas as dívidas que a história deixou por pagar: a escrita invisível de Arthur Koestler»; está organizado em seis partes e dá conta da evolução do capitalismo de estado através da obra de ficção de Arthur Koestler.

O sexto e último texto, intitulado « Os náufragos» da autoria de João Bernardo, começa em Julho 1940, com o náufrago ao largo da costa irlandesa de um navio que transportava 1200 pessoas e leva-nos aos meandros das decisões geopolíticas, que ainda configuram o nosso espaço político, em torno do novo (para a altura) conceito de refugiado. (este conceito foi desenvolvido por Hannah Arendt em «Nós, os refugiados», comentado por Giorgio Agamben (1995) e merece ser revisitado no contexto da Palestina e da recente operação europeia, enquadrada nas políticas migratórias,  chamada «Mos Maiorum»)

 

Algumas citações de «Do Anarquismo» de Nicolas Walter

 

-  Sobre o  poder:


«O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente»

«Os anarquistas são contra os governos, tenham eles chegado ao poder seja de que maneira for»

«Os anarquistas rejeitam portanto a ideia de contrato social e a de delegação de poderes.»

«A função essencial do estado é manter a desigualdade existente.»

«A anarquia, no sentido mais verdadeiro, significa uma sociedade ao mesmo tempo sem dirigentes e sem ricos.»

«Na realidade, [os anarquistas] querem muito mais organização, mas sem autoridade.»

 

- Sobre a liberdade e a igualdade:


«O anarquismo é um modelo ideal que exige ao mesmo tempo a liberdade total e a igualdade total.»

«A contribuição decisiva dos anarquistas para a teoria política é a constatação de que a liberdade e a igualdade são afinal de contas a mesma coisa.»

«Não há vontade geral, não há norma social à qual alguém deva submeter-se. Somos iguais, mas não idênticos.»

 

- sobre o progresso:


«Os anarquistas consideram o progresso de maneira totalmente diferente, na realidade, consideram muitas vezes que não há progresso algum.»

 

- Sobre a  violência:


«Os anarquistas opuseram-se sempre à guerra, mas não se opõem à violência. São antimilitaristas, mas não necessariamente pacifistas

Sobre Do anarquismo de Nicolas Walter

Nicolas Walter nasceu em Londres a 22 de Novembro de 1934. Escritor, activista britânico, envolvido no Movimento pela Paz, no Comité dos 100, membro dos Espiões pela Paz, foi detido em 1966 por interromper um serviço religioso do Partido laboral em Brighton..

Numa carta ao Guardian, respondendo a um artigo acerca da morte sem o conforto de uma religião escreveu: « Manifestar raiva pela morte da luz pode ser uma bela arte, mas é um mau conselho. (...) Porquê eu? Pode ser uma pergunta genuína, mas a resposta mais natural seria porque não? A religião pode prometer uma vida eterna, mas temos que crescer e aceitar que a vida tem um fim, tal como também tem um começo...a mortalidade é inevitável, mas a morbidez não.» Morreu a 7 de Março de 2000, deixando-nos uma série de textos e pensamentos.

Publicou «Do anarquismo» (About Anarchism ) em 1969. A última edição, datando de 2002, inclui um prefácio da sua filha, escritora, jornalista e feminista, Natasha Walter. Nicolas Walter era um humanista, ateísta e anarquista convicto, apaixonado pelos factos que a História nos fornece como preliminares para tomar posições, actuar e pensar.

fonte: http://www.theguardian.com/books/2000/mar/13/news.obituaries

 

“Cada indivíduo é um mundo (um mundo com os seus sonhos, desejos, atracções, repulsões, recalcamentos e desinibições)... e é único... e é sempre a partir desta pluralidade de unicidades que temos de nos entender. Todo indivíduo consciente reage violentamente contra qualquer nivelamento uniformizador feito autocraticamente de cima para baixo ou à custa da sublimação individual. Sabe que não é nem mais nem menos do que qualquer outra pessoa e não precisa afirmar-se em detrimento de ninguém, nem de se anular em nome de altos valores que se levantem.”

 

Quanto a «Do anarquismo», trata-se de um texto de opinião pessoal baseado em factos numa linguagem clara e simples para «uso» de todas as pessoas. O texto apresenta quatro partes percorrendo o pensamento anarquista de uma forma geral, abrangente e temática, continuando com as correntes anarquistas com a sua evolução e variantes, seguido de o que pretendem os anarquistas em todas as áreas que dizem respeito à vida das pessoas e ao espaço social e político em que se encontram e, finalmente, o que fazem os anarquistas em termos de organização, propaganda e acção. O texto vem acompanhado por notas do tradutor, Júlio Carrapato, trazendo algumas precisões e contextualizações para a leitura em português.


O texto demonstra uma linha de pensamento coerente e consistente em que o pensamento anarquista, revelando a sua dimensão humanista, se manifesta a todos os níveis. Apesar da aparente simplificação, abre uma janela para a reflexão mais aprofundada para a actuação e postura anarquista diante das instituições mais ou menos ligadas ao estado; para repensar uma abordagem sempre em actualização relativamente à religião; para sublinhar a importância da organização sem autoridade; para revisitar noções importantes como revolução e reforma e para repensar a acção directa, a desobediência civil e a propaganda pelo acto como três diferentes instrumentos possíveis na luta anarquista.

Apontamentos sobre Arquitectura e Sociedade (3)

FREITAG, Michel (2004: 15-22). Arquitectura e sociedade. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

 

Este novo capítulo intitula-se: «Para uma história política da arquitectura na sociedade moderna». Para reflectir sobre este assunto, o autor parte da ideia «de que o objecto mais próprio da arquitectura é a sociedade compreendida na sua unidade e na sua ordem, e na sua duração, bem como a posição do mundo e a sua modulação frente a essa ordem da sociedade, e através dela.» (2004: 23)

Para poder reflectir sobre esta questão, o autor leva-nos interiorizar alguns aspectos teóricos que definem a realização da unidade da sociedade. Segundo ele, esta é operada por três modos de reprodução: «a regulação ou a reprodução cultural-simbólica»(2004: 23); «a regulação político-institucional»(2004: 24) , sendo que este modo se sobrepõe ao outro, sem anulá-lo e indica como as práticas sociais estão submetidas a regras formais alheadas do significado das práticas culturais, fazendo com que este modo se imponha pelo o seu discurso de legitimação de poder «repartido» entre instituições e Estado; e um terceiro modo, que o autor descreve longamente sem propriamente nomeá-lo. Este terceiro modo rompe com a ideia principal de realização da unidade da sociedade, posto que o autor nos diz que «assistimos ao fraccionamento do sistema unificado do poder de Estado, à multiplicação dos centros de decisão relativamente autónomos, descentrados, e, correlativamente, ao apagamento progressivo do carácter formal, a priori, universalista das regras e das leis»(2004: 24) Aqui, posto que estou bastante dividida quanto à descrição deste terceiro modo de reprodução, tenho que lembrar que este texto foi publicado pela primeira vez em 1992 pela editora La Lettre Volée de Bruxelas, portanto há que situar no tempo e no espaço. O parágrafo sobre este terceiro modo requer uma leitura mais atenta à qual voltarei.

Apontamentos sobre Arquitectura e Sociedade (2)

FREITAG, Michel (2004: 15-22). Arquitectura e sociedade. Lisboa: Publicações Dom Quixote.


O capítulo intitula-se «sobre a natureza antropológica da arquitectura» e o autor começa por referir três pontos que definem a arquitectura na sociedade e que remontam a Vitrúvio: «a construção, a utilidade/funcionalidade e a beleza»(2004: 15). Aproveito para relembrar o que alguns autores disseram da arquitectura:

Plotino: «O que é a arquitectura? É o que resta do edifício, uma vez retirada a pedra.»; Schelling:«A arquitectura é a alegoria da arte de construir.» e Le Corbusier: « A construção é feita para aguentar, a arquitectura para comover.».

Depois de nos dar uma breve explicação, Freitag, indica que « Estes três aspectos pertencem decerto à definição de arquitectura, mas nem por isso representam, contudo, antropologicamente, a sua natureza essencial.»(2004: 15).


Obviamente que esta natureza essencial se relaciona com o ser humano inserido na sociedade, um vocábulo que nos projecta para meandros complexos e em movimento, e, genericamente, para espaços diferentes (cidades, subúrbios, vilas, aldeias, campo), mas o autor afina o seu pensamento remetendo-nos para uma «síntese superior entre a sociedade e a natureza». O autor constata a falta de harmonia entre o «mundo social» e o «mundo natural» de uma forma geral sem nos situar em determinado espaço e implicando, quase por defeito, a nossa concepção da arquitectura no âmbito da cidade. Se pensarmos na arquitectura e na cidade, de forma geral, a questão da natureza tem sido esquecida ao longo dos tempos pelos seus habitantes. Estou a pensar em algumas cidades que conheço bem como Paris, Lisboa, Nova Iorque, sendo que São Francisco ou Porto são para mim casos à parte entre outros. Quanto à arquitectura em espaços rurais ou em pleno campo, já é algo mais complexo envolvendo tanto a harmonia como a devastação. Mas voltando às palavras do autor, somos levados por outros caminhos, aqueles que convocam imagens de espaços de vida, tal como «um jardim bem abrigado por de trás dos seus muros revestidos de vinha-virgem do outro Aldo de um gradeamento» (2004: 16)

Então o autor, começando por um dos três pontos mencionados, neste caso, «a construção», questiona a expectativa que formamos da arquitectura à luz das imagens de espaços de vida e indica que: « A arquitectura começa por ‘dar um lugar’, começa por construir um espaço como espaço propriamente humano, espaço reservado das relações sociais que põe à distância a natureza estranha, e que, no mesmo lance, através dessa distância modulada estabelece a relação dos homens com um mundo apropriado e objectivado. (...)  O objecto original da arquitectura é, portanto, o da construção do espaço socializado, apropriado pelo homem.»(2004: 17) Partindo daqui passamos para algo quase tenebroso que, ao convocar o predomínio da ordem humana sobre o resto do mundo, chama a arquitectura como instrumento para tornar visível os poderes do ser humano.


Apontamentos sobre Arquitectura e Sociedade (1)

FREITAG, Michel (2004: 9-13). Arquitectura e sociedade. Lisboa: Publicações Dom Quixote.


«Uma aldeia, uma só, mas implantada no meio de alguns terraços cultivados no flanco de uma colina, humaniza a paisagem até ao fundo do horizonte; a pobreza e a solidão que as suas pedras abrigam projectam sobre o mundo em redor a presença de um sentido secreto e de uma ordem desejável.» (2004:9) Assim começa o autor dando outros exemplos semelhantes onde a presença do ser humano dá sentido ao espaço que frequenta.

 

Depois contrapõe estes exemplos com a fria natureza do mundo contemporâneo:

«Mas gelar, sob o vento do Inverno, na grande avenida Dorchester, à espera do autocarro; à hora da saída dos escritórios! Ou entrar para comer, sem que a fome seja muita, num fastfood anónimo! Ou olhar de passagem, numa tarde de domingo, a senhora que se bronzeia no relvado de um bungalow dos subúrbios! E deixarmo-nos subir pelas escadas rolantes da estação de metro, atravessar o torniquete de controlo de acesso, atravessar à pressa o átrio subterrâneo, mergulhar no interior de um elevador e, maquinalmente, no quinto piso, tomar pelo corredor da direita, já com a chave do gabinete na mão!(...)» (2004:9)

 

e questiona: « Para além da funcionalidade imediata do ordenamento dos lugares e das coisas, que mundo se deixou entrever e desejar, que realidade escondida na sua própria profundidade manifestou a sua presença enigmática e, todavia, sempre já familiar?» (2004:9)

 

Não é nada de novo. Não é nada que não tenhamos já sentido e/ou pensado. Mas a questão permanece enraizada no facto de sermos quase derrotados pelas múltiplas respostas, perfazendo uma quase ausência de respostas. O espaço à imagem do ser humano, é um espaço que se transforma no sentido da sociedade, mas quando essa transformação ultrapassa a natureza irregular e imprevisível do ser, impondo as suas regras próprias em nome de algo muito – demasiado – pragmático, o ser no espaço conforma-se tristemente, acreditando na funcionalidade. No entanto esta crença sofre por vezes alguns desvios. Um exemplo que vai ao encontro desta funcionalidade do espaço frequentado por seres humanos, mas que simultaneamente sobrepõe a humanidade à modificação dos espaços pode ser visto nos Invalides (7º bairro de Paris). O espaço foi reformulado dando aos parisienses amplos rectângulos de relvado dispostos de cada lado da avenida que vai para a ponte Alexandre III. Se olharmos para a ponte situados do lado do edifício dos invalides, vemos que o metro Invalides encontra-se do lado direito. Sendo que esta estação é fulcral porque inclui 2 linhas e acesso ao RER, verificamos que com o tempo os utentes do metro e RER que vivem do lado esquerdo, atravessavam um dos rectângulos na diagonal (uma recta diagonal que não coincide com a diagonal do rectângulo). Durante muitos anos, o caminho assim formado no meio do relvado tornavam-se um carreiro enlameado durante o inverno. Eventualmente, o caminho foi empedrado tornando-se um dos exemplos mais reveladores da imposição humana sobre um espaço desenhado, projectado e construído. O mesmo acontece com a senda traçada pelos passos dos indivíduos no jardim/praça da Republica no Porto.

 

Depois questiona a arquitectura, aquela que quer ser vista, aquela que se dá a ver, a sua natureza com contornos sociais e históricos que se tornou problemática. Isto porque a primeira maneira de ver a arquitectura é histórica (imagens). A segunda maneira é aquela que «se contenta em habitar os espaços urbanizados e arquitecturados da sociedade contemporânea». (2004:11) E acrescenta uma dolorosa verdade: «A das pessoas que têm residência nos arredores e um emprego no centro, que se abastecem nos centros comerciais periféricos e vão às compras nas plazas subterrâneas ou nas lojas das ruas pedonais dos centros de cidade. É também a perspectiva dos que vivem no medo de serem expulsos dos velhos bairros ainda habitados ou que, pelo contrário, procuram cumprir na renovação privada o sonho de uma urbanidade ou de uma conjugalidade renovadas pelo cenário de um passado objecto de uma decepagem minuciosa. É, em suma, a maneira que uns e outros têm de ver, de viver, de habitar, de trabalhar, de se divertir, de se deslocar, de sonhar, tudo o que existe por meio deles ou apesar deles, são o espaço e o mundo reais do grande número, o quadro efectivo da vida quotidiana.»(2004:11-12)

 

Concluindo que «A realidade parece ter escapado à arquitectura, e a arquitectura, desertado a realidade.»(2004:12)

Apontamentos sobre: Les yeux de la langue. L'abîme et le volcan. J. Derrida

Jacques Derrida, Les Yeux de la langue. L’abîme et le volcan.Paris : Galilée, 2012.

 

Apresentação do editor:

 

« Ce pays est pareil à un volcan où bouillonnerait le langage.  On y parle de tout ce qui risque de nous conduire à l’échec, et plus que jamais, des Arabes.  Mais il existe un autre danger, bien plus inquiétant que la nation arabe et qui est une conséquence nécessaire de l’entreprise sioniste :  qu’en est-il de l’« actualisation » de la langue hébraïque ? Cette langue sacrée dont on nourrit nos enfants ne constitue-t-elle pas un abîme qui ne manquera pas de s’ouvrir un jour ? […] Quant à nous, nous vivons à l’intérieur de notre langue, pareils, pour la plupart d’entre nous, à des aveugles qui marchent au-dessus d’un abîme. Mais lorsque la vue nous sera rendue, à nous ou à nos descendants, ne tomberons-nous pas au fond de cet abîme ? […] Un jour viendra où la langue se retournera contre ceux qui la parlent. […] Ce jour-là, aurons-nous une jeunesse capable de faire face à la révolte d’une langue sacrée ? […] »

 

Carta de Gershom Scholem a Franz Rosenzweig, 1926:

 

« Cette lettre, cette “Confession au sujet de notre langue”, « n’a pas de caractère testamentaire bien qu’elle ait été retrouvée après la mort de Scholem, dans ses papiers, en 1985. Néanmoins, la voici qui nous arrive, elle nous revient et nous parle après la mort de son signataire ; et dès lors quelque chose en elle résonne comme la voix d’un fantôme.Ce qui donne une sorte de profondeur à cette résonance, c’est encore autre chose : cette voix de revenant qui met en garde, prévient, annonce le pire, le retour ou le renversement, la vengeance et la catastrophe, le ressentiment, la représaille, le châtiment, la voici qui ressurgit à un moment de l’histoire d’Israël qui rend plus sensible que jamais à cette imminence de l’apocalypse. Cette lettre a été écrite bien avant la naissance de l’État d’Israël, en décembre 1926, mais ce qui fait son thème, à savoir la sécularisation de la langue, était déjà entrepris de façon systématique depuis le début du siècle en Palestine. On a parfois l’impression qu’un revenant nous annonce le terrifiant retour d’un fantôme. »


Todo o texto é escrito em torno da carta inédita de Gershom Scholem, escrita em alemão e reproduzida na íntegra no início do livro reflectindo sobre a secularização da língua hebraica e o carácter «vingativo» da língua sagrada submetida a actualizações: « [...] le mal ne consistera pas seulement dans la perte de la langue sacrée, donc de l'hébreu, donc de l'essentiel du sionisme, mais en un retour vengeur de la langue sacrée qui se retournera violemment contre ceux qui la parle (gegen ihre Sprecher ausbrechen), contre ceux qui l'ont profanée.» (2012:23). Derrida revisita o pensamento de Scholem contextualizando o seu trabalho cabalístico; aponta a teoria da nomeação de Walter Benjamin, «Sprache ist Namen», esclarecendo que o nome neste caso não é a categoria sintáctica, mas o fenómeno ou o poder da nomeação; menciona a abordagem ao sagrado feito por Espinosa, sendo que a actualização e/ou a secularização de uma língua sagrada assemelha-se a uma dessacralização e traz o trabalho da relação do ser com a língua de Heidegger, principalmente na sua abordagem ao mundo procurando ficar longe da pegada «ocidental» e relembra o trabalho de Kant, intitulado «Antropologia do ponto de vista pragmático». Para Derrida permanece a questão fundamental de pensar na língua na sua relação com a cultura e o pensamento ocidental (um pensamento platónico e cristão) e, segundo ele, ainda mais para um judeu. Derrida coloca três questões: « [...] que peut-on traduire, dans l'hébreu sacré ou dans la sémantique qu'il enjoint, par Verweltlichung? Quel est l'équivalent juif pour l'opposition spirituel/mondain, sacré/séculaire, etc.? Y en a-t-il un et quel en est l'enjeu pour cette «confession» au sujet de notre langue (Bekenntnis über unsere Sprache)?» (2012:73)

Artaud...le Mômo

« Les asiles d'aliénés sont des réceptacles de magie noire, conscients et prémédités. Et ce n'est pas seulement que les médecins favorisent la magie par leur thérapeutique qu'ils raffinent, c'est qu'ils en font. S'il n'y avait pas eu de médecins, il n'y aurait pas eu de malades, car c'est par les médecins, et non par les malades, que la société a commencé. Ceux qui vivent, vivent des morts, et il faut aussi que la mort vive... Il n'y a rien comme un asile d'aliénés pour couver doucement la mort, et tenir en couveuse les morts. Cela a commencé 4000 ans avant J.C., cette technique thérapeutique de la mort longue. Et la médecine moderne, complice en cela de la plus sinistre et crapuleuse magie, passe ces morts à l'électrochoc ou à l'insulinothérapie, afin de bien, chaque jour, vider ces haras d'hommes de leur moi, et de les présenter, ainsi vides, ainsi fantastiquement disponibles et vides, aux obscènes sollicitations anatomiques et atomiques de l'état appelé «bardot». Livraison du barda de vivre aux exigences du non-moi. Le Bardot est l'astre de mort par lequel le moi tombe en flasque, et il y a, dans l'électrochoc, un état flasque, par lequel passe tout traumatisé. Ce qui lui donne non plus à cet instant de connaître, mais affreusement et désespérément méconnaître ce qu'il fut quand il était soi. J'y suis passé et ne l'oublierai pas. »

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