1. Um enigma
Porque é que as elites políticas aplicam medidas de austeridade que são:
- socialmente destruidoras. Trata-se de um dos maiores recuos sociais desde a guerra e até a assembleia parlamentar do Conselho da Europa acaba de designar esta austeridade como sendo uma ameaça contra os Direitos sociais e contra a democracia.
- economicamente absurdos. A austeridade aumenta os défices e a dívida e destrói o aparelho produtivo, sem oferecer uma hipótese de saída da crise.
- democraticamente suicidas. por um lado pelas intervenções autoritárias da Troika que colocam vários países em situação pós-democrática austeritária, por outro lado, porque as consequências da austeridade favorecem os partidos fascistas e xenófobos.
Será por incompetência?
Não : podemos acusar os nossos dirigentes de muitos erros, mas não de serem estúpidos. uma parte dos dirigentes políticos procuram provavelmente alternativas, mas encontram-se confrontados com a ausência de respostas efectivas no quadro da economia mundializada e da união europeia tal como funciona hoje em dia. Contudo, para outros dirigentes, mas ou menos explicitamente neoliberais, a explicação é provavelmente que se trata para eles de se aproveitarem da crise para concretizar a revolução neoliberal («never waste a good crisis»). Estamos portanto numa situação inédita, que requer respostas inéditas, à escala europeia e além das clivagens secundárias - a radicalização da contradição fundamental entre capital e trabalho, entre os interesses de uma pequena minoria ultra privilegiada e a grande massa da população, colocam-nos diante de uma tarefa histórica.
2. Outro enigma
Porque é que a derrota económica, prática e teórica do neoliberalismo não levou à chegada no poder de governos determinados em ousar a ruptura contra a Troika e o neoliberalismo?
Será por causa da resignação dos povos? Não, nunca houve tantas mobilizações de grande envergadura desde há 3 anos! A explicação principal é, na nossa opinião, a própria construção da União Europeia que torna as mobilizações populares tradicionais ineficazes: o poder encontra-se em Bruxelas ou em Frankfurt, mas a capacidade de mobilização e de luta das pessoas é no seu espaço de vida, nas suas empresas, na sua cidade, região, país. Isto permite-nos precisar a natureza da missão histórica, referida anteriormente: na nossa opinião, a urgência consiste em dar vida a um verdadeiro Movimento Social Europeu. O que sabemos dos Movimentos Sociais? Em primeiro lugar, eles não se decretam (caso contrário poderíamos decidir que o movimento social europeu começaria amanhã nesta sala ao meio dia e meia...) mas é necessário muito trabalho para torná-los possíveis. Em segundo lugar, requerem três componentes:
- A capacidade de dizer NÓS (quem somos)
- A capacidade de dizer ELES (quem são os nossos adversários)
- A capacidade de dizer claramente O QUE QUEREMOS.
Poder dizer NÓS, é tomarmos a ambição da Hegemonia. Gramsci distinguia classe dirigente e classe dominante pelo seguinte critério: quando a classe no poder consegue apresentar os seus interesses como aqueles da maioria, ela «dirige», isto é, exerce o poder pela hegemonia, pela adesão das massas a um discurso credível - o exercício da força sendo apenas um recuso acessório. Quando esta classe já decididamente não pode convencer as massas, resta-lhe apenas a repressão e a violência, ela já não dirige nada, apenas é uma classe dominante. A repressão brutal na Grécia, em Espanha, no Blockupy Frankfurt, a multiplicação das leis liberticidas ou antisindicais revelam amplamente que a oligarquia europeia perdeu e abandonou a batalha da hegemonia. Mas não é por isso que a vamos ganhar! A esquerda tem uma longa tradição de lutas fratricidas levadas a cabo para determinar a hegemonia entre nós: devemos agora ter a ambição de conquistar juntos a hegemonia frente a eles.
Para poder dizer ELES, não é suficiente acusar os mercados «sem nome e sem rosto». Os nossos adversários são bancos, multinacionais, partidos políticos, com um nome, uma morada e dirigentes. Ainda devemos colocar uma questão: Será que não deveríamos chegar ao ponto de denunciar a responsabilidade pessoal de certos dirigentes? Se nesta sala estivessem sentados os Senhores Barroso e Trichet, a Senhora Merkel e o Senhor Sarkozy, os Senhores Draghi e Papademos, será que não deveríamos lhes pedir para prestarem contas, pelas nossas sociedades devastadas, pelas famílias roídas pelas precariedade, pela pobreza e até pela fome... Pelos numerosos suicídios que as suas decisões provocaram? Seguramente que responderiam que não são pessoalmente responsáveis, que as suas decisões foram ratificadas pelos parlamentos de forma totalmente legal, que portanto não podem ser culpabilizados e que são intocáveis... E, quiçá responderíamos: ok, perfeito! É exactamente o que, há ano e meio, diziam o Senhor Ben Ali e o Senhor Moubarak!
Finalmente devemos dizer O QUE QUEREMOS - numa linguagem clara partindo das necessidades e realidades vividas pelos 99%, estas necessidades são a solução, não são o problema! Uma das vitórias do neoliberalismo foi de ter conseguido fazer nos acreditar que a economia e a política pediam conceitos e uma linguagem sábios, que a língua do povo não era suficiente. Por exemplo, reivindicar «Eurobounds» pode ser uma resposta técnica a dado momento, mas não pode ser uma palavra de ordem política, porque não a sei explicar ao merceeiro da esquina e que não levará para a rua os jovens desempregados da minha região.
3. Uma pergunta clássica: o que fazer?
Há anos que a questão já não é de saber se existem alternativas. «Tina» 1 morreu antes de Maggy: sem remorsos! Temos textos em abundância suficiente que descrevem, de forma globalmente convergente, o que deveriam de ser as alternativas credíveis para uma Europa democrática, ecológica e social. Os manifestos e as análises sucedem-se (ver alguns exemplos aqui: www.altersummit.eu) , e raramente passa uma semana sem que haja um novo apelo à unidade dos movimentos sociais na Europa.
1 Tina : « There is no alternative »
Neste contexto, à pergunta «O que fazer?», uma resposta possível seria: « Ir buscar uma estante ao Ikea para arrumar todos os apelos à união por uma outra Europa» … Outra resposta seria considerar que o que é necessário é realizar a convergência das forças e a sua unidade concreta na acção. O nosso objectivo é de mudar a Europa, não de mudar uma declaração. Esta unidade passará por um programa de acções com pelo menos a ambição de ter peso sobre a realidade (o que precisa de bastante tempo para preparar... mas também de ser suficientemente rápido para poder intervir no momentum de crise crescente).
Três apontamentos sobre o que pode ser um programa de acção:
1. Uma acção digna do nome deve:
- Meter medo ao adversário: portanto não é apenas uma petição na internet, nem apenas uma manifestação para a qual os participantes devem de apanhar um avião!
- Fazer com que os participantes se sintam orgulhosos e felizes de estarem comprometidos enquanto protagonistas e não como uma massa de manobra.
- Consolidar e alargar o movimento para permitir-lhe ir mais além.
2. No contexto da UE verdadeiramente existente, o programa de acção deve ser concebido previamente e realizado como «bi-level»: acções puramente nacionais não surtirão efeito nenhum e acções europeias sem um forte enraizamento nas realidades locais e nacionais não terão força.
3. A acção deve realizar a unidade. Mas não devemos ser ingénuos sobre o que significa unidade. Acreditar que a natureza da esquerda, do movimento operário, é de unificar e que a natureza da direita e do capital é de dividir, é acreditar em contos de fadas. Unificar, é dividir ! Os capitalistas do meu país são a favor da unificação: querem que sejamos solidários com eles contra os alemães, os franceses, os romenos, etc. Nós, a esquerda e o movimento operário, os internacionalistas, queremos dividir porque sabemos que é na escolha estratégica e na enunciação clara da linha de divisão («Eles») que podemos realizar a unidade («Nós»).
4. Uma boa notícia
Para realizar o programa da unidade na acção, existe um procedimento concreto, amplamente partilhado, com uma «guia de rota» e com o compromisso de mais de cinquenta organizações nacionais ou europeias, oriundas de mais de quinze países.
a. Um apelo – acolhido por muitos outros - que permite uma ampla mas clara convergência. Este apelo encontra-se em 9 línguas no www.altersummit.eu Juntamente com numerosos outros apelos, constatamos uma ampla convergência.
b. Numerosas assinaturas. Com nomes como Ken Loach, Susan Georges ou Stéphane Hessel. E várias personalidades políticas europeias importantes, oriundas do grupo dos Verdes, dos sociais-democratas ou de GUE/NGL.
c. A relação com FSE é clarificada : não substituir, não repetir: ir mais além. Somos um filho do FSE – e se a criança não é reconhecida, não faz mal.
d. Clarificámos igualmente a nossa relação com os partidos: O movimento Social Europeu deve ser dirigido pelos movimentos sociais, não pelos partidos, mas não rejeitamos as forças políticas. Rejeitamos tanto o antipolítico individualista como a velha hierarquia onde os movimentos sociais ficariam subordinados aos políticos. As personalidades que apoiam o nosso apelo são bem-vindas, devemos lutar no nosso terreno, mas não queremos a configuração clássica em que o movimento social redige um caderno de reivindicações e o transmite ao mundo político. « Por favor, no nos representan ! » Não pedimos aos homens e mulheres políticos que nos representem, mas que lutem connosco, se partilham da análise fundamental resumida no nosso apelo.
e. Roteiro
Temos dois eventos importantes pela frente: a concentração « FIRENZE 10+10 » de 8 a 11 de Novembro, e o Alter Summit, agendado para início de 2013, provavelmente em Atenas. (Um roteiro mais detalhado encontra-se no site www.altersummit.eu ) Mas devemos ser muito conscientes de que estas duas datas só por si de nada servirão. Indicam um ritmo comum para um processo que deve começar antes e continuar depois:
- Antes de Novembro, deve de haver um grande trabalho da coordenação europeia e há que organizar a coordenação para o Alter Summit no maior número de países ou de regiões, par que as delegações que forem a Firenze sejam alimentadas por debates nacionais estratégicos.
- Entre Novembro e a primavera 2013, teremos uma centena de dias para construir a mobilização de massa a nível nacional e regional. A ambição é de ter um dia de acção em simultâneo, no maior número de cidades da Europa, com palavras de ordem comuns com forte enfoque político.
- Depois do Alter Summit, a luta terá de continuar!
5. Uma má notícia
A má notícia é que há muito trabalho par fazer! Precisamos de compromissos nas coordenações nacionais ou regionais unitárias.
A transformação da sociedade não virá, sabemo-lo há muito, dos sonhadores que constroem teorias sem fim, nem dos oportunistas que esperam que o povo, cansaço da opressão, se levante espontaneamente: esta transformação requer um paciente trabalho de organização.
A proposta do Alter Summit, que colocámos em cima da mesa, não é dogmática. Conta com muitos apoios, mas também pode, nas semanas seguintes, ser melhorada. Se houver propostas melhores que permitem de reforçar o processo, o seu poder e as suas hipóteses de êxito, são bem-vindas. Mas rapidamente, porque este processo não será parado.
A primeira urgência é o estabelecimento de coordenações unitárias, nacionais ou regionais para suportar o processo.
Finalmente, não devemos ter ilusões: este processo inicia um combate a longo prazo. Mesmo se tiver êxito, o que será difícil, este processo de mobilização não será suficiente. No entanto, queremos trabalhar nisso com todos os e as que queiram, porque, como o repetimos frequentemente nos sindicatos: « Aquele que luta pode perder, mas aquele que não luta já perdeu».
Info : info@altersummit.eu www.altersummit.eu
* Sindicalista Belga, secretário geral do sindicato dos trabalhadores CNE, fundador e animador do Joint Social Conference e do processo do Alter Summit.
NOTA: tradução a título informativo que não implica a total adesão da tradutora às ideias aqui expostas.