Ontem morreu um limoeiro
Ontem morreu um limoeiro
Dias e dias
dias e dias à espera que não arda a mata ao lado da casa
dias e dias a ver a água minguar no poço
a ver a terra secar
e esta faixa de terra queimada
que não verdeja
não
e os troncos escuros armados contra urgueiras torgas silvas madressilvas e giestas
em flor as torgas amarelas
mas o que predomina como um aviso da terra é o púrpura das pervincas
- não me peçam porquê prefiro pervinca a outra palavra pois é porque pervenche-
as pervincas que chupo a caminho da cidade, o alecrim...
púrpura e verde são as cores do meu quintal
há semanas
pois o branco e o rosa são ponctuais aparecem apenas agora apenas
não tenho medo
não estou assustada com a certeza de que tudo é éfémero
tudo permanece um pouco e volta
quase
mas há o cansaço das árvores
ontem morreu um limoeiro
e morreu mesmo?
o limoeiro que dava limões há tanto tempo
em partes do tronco a casca soltou-se
as folhas estão amarelas
amarelas as folhas do meu limoeiro
e é meu o limoeiro?
não
vejo duas ou três folhas verdes?
por preguiça ou defeito
observo
daqui de longe
morreu um dos três limoeiros do meu quintal?
é tão amarela esta borboleta não é a borboleta que deixa aquelas lagartas
que tingem os dedos do meu avô
tingiam os dedos do meu avô
repeti o gesto de despedaçar a lagarta das couves galegas
entre os meus dedos com a lembrança dos dedos do meu avô
verde mesmo
não são estas as borboletas da lagarta
ou mudaram de cor
o que dirá esta inclinação do alecrim enquanto as
laranjas são lampiões minúsculos vagarosos
a cair dois a dois os
lampiões do meu quintal
e de súbito sinto um aperto
aqui um aperto no corpo
mete dó este aperto e olho para mim
meu corpo com desprezo
desejava-me fútil e feliz
preocupada com a roupa que me veste
o filho com tosse
a minha sacanice da vizinha
mas não há roupa que me vista
filhos há que me encantam
e vizinhas talvez desconheço
Dias e dias
dias e dias à espera que não arda a mata ao lado da casa
dias e dias a ver a água minguar no poço
a ver a terra secar
e esta faixa de terra queimada
que não verdeja
não
e os troncos escuros armados contra urgueiras torgas silvas madressilvas e giestas
em flor as torgas amarelas
mas o que predomina como um aviso da terra é o púrpura das pervincas
- não me peçam porquê prefiro pervinca a outra palavra pois é porque pervenche-
as pervincas que chupo a caminho da cidade, o alecrim...
púrpura e verde são as cores do meu quintal
há semanas
pois o branco e o rosa são ponctuais aparecem apenas agora apenas
não tenho medo
não estou assustada com a certeza de que tudo é éfémero
tudo permanece um pouco e volta
quase
mas há o cansaço das árvores
ontem morreu um limoeiro
e morreu mesmo?
o limoeiro que dava limões há tanto tempo
em partes do tronco a casca soltou-se
as folhas estão amarelas
amarelas as folhas do meu limoeiro
e é meu o limoeiro?
não
vejo duas ou três folhas verdes?
por preguiça ou defeito
observo
daqui de longe
morreu um dos três limoeiros do meu quintal?
é tão amarela esta borboleta não é a borboleta que deixa aquelas lagartas
que tingem os dedos do meu avô
tingiam os dedos do meu avô
repeti o gesto de despedaçar a lagarta das couves galegas
entre os meus dedos com a lembrança dos dedos do meu avô
verde mesmo
não são estas as borboletas da lagarta
ou mudaram de cor
o que dirá esta inclinação do alecrim enquanto as
laranjas são lampiões minúsculos vagarosos
a cair dois a dois os
lampiões do meu quintal
e de súbito sinto um aperto
aqui um aperto no corpo
mete dó este aperto e olho para mim
meu corpo com desprezo
desejava-me fútil e feliz
preocupada com a roupa que me veste
o filho com tosse
a minha sacanice da vizinha
mas não há roupa que me vista
filhos há que me encantam
e vizinhas talvez desconheço