O autor diz e muito bem nas notas finais que este pequeno escrito (...) apresenta um tema difícil de classificar, contudo pouco importa, pois sabemos que o livro abrange uma série de temas e que hoje há classificações genéricas que já não são, completamente, adequadas, mas que orientam, por vezes, o leitor que deseja ser orientado e sobretudo permitem vender. Pois é muito mais fácil vender um produto com um rótulo: romance, poesia, teatro, filosofia, ensaio, e agora manuais semelhantes a como saber X em dez lições, a volta ao Turquestão em duas semanas, como ser Feliz em quarenta dias, como emagrecer numa noite...Desculpem este excesso de ironia! Acabei de ler o livro de José Gil. Confesso que o li contaminada pelo que a imprensa e os críticos tinham anunciado. Desagrada-me profundamente esta influência, porque acontece, frequentemente, que depois da leitura fico frustrada. Não sei porquê, nem me apetece agora analisar este sentimento de frustração, mas posso dizer que esperava algo ainda mais lapidar, ainda mais incisivo, como se cada palavra pudesse ferir mesmo. Esperava uma grande crueldade, maior crueldade, nem sei bem porquê! Na verdade, procurava algo que desconhecia e não encontrei, quiçá não exista! Haverá algo que o ser português esconde tão profundamente, que nem é possível explicar? Sou portuguesa, mas não me sinto, nem quase portuguesa, nem quase francesa, nem quase de qualquer outra parte e confesso que há 10 anos que tento perceber, conhecer e entrar na cultura portuguesa. Dos livros que li sobre o assunto...aqueles que todos devem, provavelmente, conhecer: os dois volumes da universidade aberta (Sociedade e Cultura portuguesas de Maria José Ferro Tavares), os dois volumes de António José Saraiva intitulados A cultura em Portugal; tive uma cadeira de cultura portuguesa, outra de estudos camonianos, outra de literatura portuguesa e claro li livros de História, alguns escritores portugueses, leio o jornal, vivo num espaço português, mas como não se aprende tudo pela leitura, faço visitas culturais, esforço-me a ir a alguns convívios e não sou indiferente ao meu semelhante. Voltando ao texto de José Gil, este tem a clareza de apresentar com palavras simples o que sabemos sem dizer, como por exemplo sobre a televisão: Onde se situa Iraque, Israel, a China da televisão? Percebi que na televisão estes países são, mas no mapa perdemo-los. Quero dizer que os países existem atraves do que nos é dado a ver, logo a sua representação é limitada ao que vemos no ecrã. Haveria como um fosso profundo entre o que nos é mostrado e a realidade, ou será que a televisão presupõe o conhecimento do espectador ou aposta na sua curiosidade em ir consultar um mapa do mundo. E ainda Paradoxo: por um lado, a televisão fabrica-me representações de um mundo longínquo; por outro, esse é o mundo adequado ao meu mundo. Isto aplica-se à televisão em geral e à utilização que se deseja dar à televisão. este SE não é inocente, somos nós, são os que detêm o poder de fazer nessa área, mas não me perguntem não sei quem é! - A televisão (e não só) traz o mundo à sala de estar, de jantar, à cozinha, ao quarto. O mundo inteiro parece estar feliz por ter acesso ao mundo da forma mais simples, i.e., com um comando à distância (ou com um rato)! Voltando ao livro de José Gil, o que me parece um ponto fulcral que merece atenção e reflexão é dedicado à NÃO-INSCRIÇÃO do português na sua história, nas suas decisões, nas suas políticas, etc. Aqui está um ponto doloroso: a não inscrição, a não afirmação, o não empenhamento paixonado e a semi responsabilidade disfarçada que se dissolve numa espécie de esquecimento. Este aspecto parece-me ser a raiz de tudo o que o autor desenvolve à seguir sobre a falta de espaço público (...sem debate político, sem comunidade literária, artística, científica). Cada um no seu mundo, com as suas perguntas, génio para si próprio, como já dizia Fernando Pessoa no poema Tabacaria: (...)Génio? Neste momento/ Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu(...) É difícil entrar e, ainda mais difícil, deixar entrar o outro sem ser superficialmente. O conhecimento em Portugal parece estar encerrado em alguns seres, supostamente, detentores de um saber que não desejam partilhar e que se assustam com a mais pequena infracção deste código do silêncio do saber. Sei que tu sabes, mas ninguém deve saber que sabemos. E será que sabemos mesmo? Não divulgar, não partilhar, simplesmente, não crescer, como um desejo de permanecer para sempre na infância. (Bela palavra na verdade INFÂNCIA, onde se encontra o FA de Falar, ou ADOLESCÊNCIA que significa um estado não permanente, uma passagem, um crescimento. Depois com ADULTO, não há mais nada, já cresceu e, no entanto, como desejava que houvesse uma ADULTÂNCIA, que na realidade, também há, só que não há palavra para tal estado! E como sabemos o latim era uma língua muito concreta, assim estas palavras apenas indicavam o desenvolvimento fisiológico.) Medo? È esse o medo de existir de que fala José Gil no seu Livro? Acredito que sim, são estas as barreiras, as entraves que o ser português cria para si e para o seu mundo. Haverá mais?