Resumo de leitura de O mestre Ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual (2010) de Jacques Rancière
O livro foi escrito em 1987, no seguimento das pesquisas de Jacques Rancière sobre a emancipação operária no século XIX e surgiu num momento de discussão sobre as finalidades das escolas públicas em França, em que dois grandes discursos ocupavam todo o espaço de debate, por um lado, a transformação da escola a partir das condições sociais com Bourdieu e, por outro lado, o ensino republicano e a igualdade pela difusão dos saberes de Milner. Partindo da experiência pedagógica de Joseph Jacotot, Rancière leva-nos a questionar os processos de aprendizagem, a relação do Ser ao Saber e por arrasto o quadro institucional do ensino e a função do professor. Como salienta Jacques Rancière, numa entrevista publicada em Nouveaux Regards, n°28, Janeiro-Março 2005, sobre o livro: “é uma obra que se dirige aos indivíduos, não aos actores institucionalizados de um debate de sociedade.”Assim, se na altura a recepção do livro não gerou um verdadeiro debate, levou contudo os mais diversos meios – nomeadamente o meio artístico - a um questionamento fundamental para a reflexão, e ainda hoje, num contexto educativo profundamente ancorado em doutrinas maniqueístas como instrumento transmissão de conhecimento redutor, mas amplamente praticado no ensino ocidental, o desafio do filósofo da emancipação não se esgotou nem nas várias publicações, nem nas recepções do Mestre Ignorante.
O livro apresenta-se em cinco capítulos que ecoam as cinco lições adiantadas no subtítulo. Começando por relatar a experiência intelectual de Joseph Jacotot, revolucionário exilado e leitor de literatura francesa na universidade de Louvain, em 1818, Rancière revela a ferida do mito pedagógico envolvendo a presença do explicador que perpetua um mundo separado em dois, ou melhor, um mundo em que uma inteligência se sobrepõe à outra ocultando o conceito de liberdade que à partida pressupõe a “confiança na capacidade intelectual de todo o ser humano”(Rancière, 2010: 20). Ao ter a experiência de ensinar a língua francesa a flamengos sem conhecer a língua flamenga, mas com resultados assombrosos, Jacotot delineia os princípios do que chama o ensino universal: “(...) é preciso aprender qualquer coisa e relacioná-la com tudo o resto” (Rancière, 2010: 27). Ao acreditar na igualdade das inteligências, liberta-se a curiosidade e estimula-se a procura constante, mesmo assim “para emancipar alguém, é preciso ser-se emancipado. É preciso conhecer-se a si mesmo como viajante do espírito, parecido com todos os outros viajantes, como sujeito intelectual participante da potência comum dos seres intelectuais.” (Rancière, 2010: 40). O método universal é o método dos pobres, um método exclusivamente dirigido a indivíduos que nunca poderá sobreviver como método social confinado em instituições ou praticado por actores sociais, simplesmente porque “jamais um partido, um governo, um exército, uma escola ou uma instituição emancipará uma única pessoa” (Rancière, 2010: 108).
Ao retomar a experiência de Jacotot, que na altura já provocara algum desconforto entre os sábios da Europa, Jacques Rancière valoriza a emancipação intelectual como a única educação possível, mas também derruba a nossa forma de conceber o saber, a transmissão, a aprendizagem, a infância e até as relações de dominação que regem a ordem social vigente, onde o progresso é a perpetuação da desigualdade: “O progresso é a ficção pedagógica erigida em ficção de toda a sociedade” e onde a pedagogização da sociedade significa a “infantilização generalizada dos indivíduos”(Rancière, 2010: 141). Da leitura, ficam umas frases chave: emancipemo-nos; reivindiquemos a inteligência; pratiquemos a igualdade; e vivamos a liberdade!
Jacques Rancière (2010). O mestre Ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Mangualde: Edições Pedago.