O Oriente Médio tornou-se um parque infantil onde os vários imperialismos se enfrentam. Um resumo das forças envolvidas e os seus respectivos interesses.
Em 2011, as revoltas populares no mundo árabe minaram a ordem geopolítica em vigor desde o final da Guerra Fria, mas não conseguiram derrubá-la. Durante um tempo as monarquias petrolíferas do Golfo estavam em pânico com a ideia de também poderem ser afectadas. As potências ocidentais temiam ver sua influência desafiada por regimes democráticos independentes. Por sua vez, o Irão e a Rússia encontraram-se em situação de vir a perder os seus aliados na região e de ser marginalizados. Estes múltiplos imperialismos conflituosos conseguiram desviar o impulso revolucionário, desvirtuando-o em lutas pelo poder em que o povo fica a perder.
Depois da indecisão, os ocidentais, as monarquias petrolíferas e a Turquia intervieram para se aproveitar da situação, mas o balanço é abismal, a região está desestabilizada, os caos, que se espalha, mergulha dezenas de milhões de pessoas na pobreza e beneficia principalmente os islamistas. O Iraque, a Líbia, a Síria e o Iémen ilustram agora esta situação. Na Síria, há quatro anos que os ocidentais lutam sem sucesso para derrubar o Assad, porque o regime resiste melhor do que era esperado graças ao Irão e à Rússia. Despojado de sua revolução, o povo sírio é prisioneiro das rivalidades entre o imperialismo regional e internacional. O país está devastado, cerca de 250.000 pessoas morreram, milhões estão deslocadas ou refugiadas no estrangeiro O número de actores, os seus objectivos específicos tornam o conflito sírio particularmente complexo.
A Síria é o principal campo de batalha dos imperialismos do Irão e da Arábia para a dominação do Oriente Médio, uma rivalidade agravada pelos antagonismos religiosos, xiitas contra sunitas e Persas contra Árabes. O regime de Damasco é vital para as ambições iranianas, dá acesso ao Mediterrâneo a Teerão e um corredor seguro para o apoio ao Hezbollah libanês. Estes dois aliados árabes são um elemento de dissuasão contra Israel para o Irão. Se Assad cai, o Hezbollah fica vulnerável ao ataque de Israel e o Irão perde os seus dois melhores trunfos geopolíticos. É por isso que a Arábia Saudita se obstina contra a Síria, especialmente depois da invasão do Iraque, em que os partidos xiitas iraquianos assumiram o poder em Bagdad, oferecendo ao Irão uma continuidade até ao mar. Arábia Saudita vive na obsessão com o "arco xiita", é no registo da guerra santa que mobiliza milhares de sunitas que vão lutar na Síria, enquanto os seus petrodólares financiam as tendências islamistas mais radicais da oposição síria, em particular o Exército da conquista, uma das mais poderosas coligações armadas, principalmente compostas pela Frente de al-Nusra (al Qaeda na Síria) e de Ahrar al Sham.
Instrumentalizar o Islão político
Catar e Turquia também são protagonistas de peso no campo dos anti-Assad. O Catar está repleto de petrodólares que investe com o objectivo de obter um lugar à mesa dos decisores. Além disso, planeia exportar o seu gás para o mercado europeu com a construção de um gasoduto atravessando a Arábia Saudita, a Jordânia e a Síria, um projecto rival do iraniano que quer alcançar o mesmo mercado através do Iraque e da Síria. A Turquia quer afirmar-se como uma potência regional na Arábia Saudita e Irão, Erdogan sonha com um novo Império Otomano. A revolta síria foi uma oportunidade formular as suas ambições imperialistas e é um dos principais apoiantes da oposição armada. É através da Turquia que transitam combatentes, armas e munições de todas as tendências anti-Assad incluindo DAECH. A Turquia está particularmente empenhada desde que os curdos sírios adquiriram maior autonomia e simpatia internacional.
A França, ex-potência colonial, é uma das mais implacáveis em querer a perda de Assad. Por trás da retórica democrática de nossos governantes escondem-se interesses menos respeitáveis. Ao tomar uma linha dura sobre a Síria, Paris procura acima de tudo para seduzir as monarquias do petróleo, a fim de vender mais armas, mas também com a esperança que invistam os seus petrodólares na economia francesa.
A Síria é um dos principais lugares de confronto entre um imperialismo norte-americano enfraquecido e um imperialismo russo em pleno renascimento. Ai enfrentam-se duas visões da ordem internacional, um mundo unipolar dominado pelos EUA contra um mundo multipolar regido por um clube selecto de grandes potências iguais. Ao intervir militarmente ao lado de Assad, o Kremlin desafia as pretensões hegemónicas norte-americanas no Médio Oriente, a fim de, finalmente, ser tratado em pé igualdade por Washington. Dois discursos se opõem, para Obama, Assad é a fonte de todos os problemas, enquanto permanecer no poder a guerra continuará e DAECH prosperará, para Putin, pelo contrário, Assad é a solução, apenas o seu regime tem a capacidade de derrotar o terrorismo.
Washington não quer destruir DAECH, limita-se a contê-lo, porque é útil. Os Estados Unidos não abandonaram a táctica de instrumentalizar o Islão político, a experiência do Afeganistão não lhes serviu de lição. Depois de terem sido forçados a sair do Iraque sem manter bases, usam o DAECH para negociar uma presença militar permanente com o governo xiita. Mas ao fazer isso, correm o risco de ver Bagdad cair no campo do Irão e da Rússia. Especialmente, Daech é o mais perigoso inimigo do regime sírio que querem derrubar, a ideia é que seus dois inimigos se esgotem lutando e que os grupos armados sírios pró-ocidentais arrecadem os trunfos. Mas estes grupos não têm peso militar e são incapazes de derrotar quem quer que seja, mesmo com o apoio aéreo da coligação aérea ocidental, algo que os seus patrocinadores sabem perfeitamente. Os curdos do YPG / YPJ são a única força credível com que os EUA podem contar, mas isso cria fortes tensões com seus aliados turcos que preferem outra coisa qualquer a um Rojava autónomo.
Imperialismo americano, Imperialismo russo
É o impasse desta estratégia, que criou condições favoráveis para a intervenção russa. Moscovo montou a sua própria coligação composta pelo exército regular e pelas muitas milícias sírias que lhe estão ligadas, do Hezbollah libanês, das milícias xiitas islamistas iraquianas e afegãs, e um contingente militar iraniano. O objectivo imediato é restaurar a situação militar do regime para que esteja numa posição forte nas negociações para encontrar uma solução política para o conflito. A médio prazo, se Putin consegue a sua aposta, o imperialismo norte-americano será marginalizado, enquanto o imperialismo russo verá seu espaço de manobra aumentado consideravelmente. O calvário dos povos do Médio Oriente não acabou, o futuro é sombrio, mas a esperança não morreu. A luta exemplar dos Curdos de Rojava abre a perspectiva de uma área desbravada dos vários imperialismos que a sangram. Naturalmente, o caminho vai ser difícil e longo, mas com a ajuda das forças progressistas do mundo inteiro a opressão pode ser superada.
24 Dezembro de 2015 |Hervé (AL Marseille)
Tradução de: http://www.alternativelibertaire.org/?Proche-Orient-La-course-a-la