L'image est la dialectique à l'arrêt -Meme Literário
1. Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
Não é um livro, é um poema que navega nas noites verdes sonhadas à luz de barquinhos de papel. Excertos dos diários de Adão e Eva de Mark Twain em leitura encenada, partilhada repetidamente, acompanhando jantares e amizades. A República de Platão seduz-me tanto que reescrevi algumas partes:
1- Houve um dia, um fim de tarde cinzento, de Verão, carregado de cúmulos-nimbos, em Atenas, em que Platão, após uma longa conversa com Gláucon, conversa esta que nunca chegou a ser registada na República, escreveu: «convém incluir os poetas na República, pois apesar de serem seres alados, sagrados, inspirados pelos deuses, afinal não devem ser expulsos da Cidade Perfeita. Mesmo que suscitem sentimentos dúbios e imperfeitos, participam na visão do mundo e contribuem para o verdadeiro equilíbrio de todas as coisas, portanto devem permanecer ao lado dos filósofos, trazendo o seu pensamento para dirigir a Cidade»
Foi assim que, durante uns tempos, tudo mudou e que foi, singularmente, possível «começar a pensar». Foi assim que os filósofos se esqueceram de reescrever a poesia do mundo, posto que ela fazia parte do sistema, fazia parte integrante da própria vida de todos os cidadãos. A educação ficou entregue aos Poetas. Mais tarde, mas em outros tempos, Heidegger não chegou a conceber o capítulo 34, intitulado Da-sein et parole. La langue, nem percorreu os caminhos da linguagem de forma tão perfeita, nem reflectiu sobre Hölderlin. Walter Benjamin nunca viu numa árvore as raízes da linguagem, e Jacques Derrida nunca conheceu o seu monolínguismo, já que nunca fora do Outro e que sempre fora seu sem palavras. Mas, esse dia foi outro tempo e outro dia na Cidade Perfeita. Curiosamente, os registos perderam-se. Reza a lenda que foram espalhados pelo Bóreas num momento de fúria amorosa.
2- Imagina um homem numa vivenda com grandes janelas-plasma, muito bem isoladas do frio, do calor e do ruído da cidade. A vivenda tem aquecimento central auto regulador, gás canalizado, com frigoríficos e despensas directamente ligados a uma rede de abastecimento alimentar em estreita e complexa conexão com uma cozinha autónoma e inteligente que programa e concebe as refeições em função das necessidades alimentares, com uma ligação permanente e infalível de fibra óptica altamente competitiva, disponibilizando 1225 canais projectando imagens do mundo inteiro de forma aleatória. Ele encontra-se aí desde a infância, sentado em cadeiras ergonómicas e sofás com auto aquecimento, o pescoço continuamente girando para as imagens nas janelas, de tal modo que nem precisa de movimentar o corpo. Imagina que ele tenha visto dele mesmo e dos outros, senão as imagens projectadas nas janelas-plasma. Imagina que durante vários dias as conexões e a electricidade falham e que por curiosidade natural, como muitos outros ele sai da vivenda encontrando-se na rua com os outros. Qual supões que seria a sua reacção ao encontrar os outros? Imagina qual seria a sua resposta se alguém lhe dissesse que o que, até esse momento, vira, nada mais era do que engano e ilusão?
2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Existiu ao longo dos percursos de leituras e foram crescendo à medida que lia o mundo com as vivências. O que não foi lido, chegou a ser lido mais tarde e é isso mesmo o prazer do texto? O texto não é isótropo como diz Barthes.
3. Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
Escolhia algo que me fornecesse matéria para reflexão ou criação, Os mitos gregos apresentados por Robert Graves.
4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
Aqueles que nunca foram escritos. Ou que tal os cadernos preenchidos com números por Arthur Rimbaud? Os cadernos preenchidos com pauzinhos por Antonin Artaud? O livro supremo de Mallarmé? (Empresto o livro das passagens... em francês ;-) «L'image est la dialectique à l'arrêt» Benjamin, 1989, 478)
5. Que livro leste cuja “cena final” jamais conseguiste esquecer?
Todas aquelas em que o autor perde o controlo das personagens.
6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
Depois da magia da voz que animava mundos, a leitura acabou debaixo do cobertor com uma lanterna. A Enciclopédia, o dicionário ilustrado, livros de aventuras (os cinco), todo o teatro de Molière que conseguia comprar num alfarrabista perto de casa na colecção dos «Petits Classiques Larousse»
7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?
Aquele que por isotropia não penetrou e, sistematicamente, todos os manuais de instruções.
8. Indica alguns dos teus livros preferidos.
Todos os que li para realizar um trabalho e que esqueci.
9. Que livro estás a ler neste momento?
Varios, mas também L'Occident et les autres. Histoire d'une suprémacie de Sophie Bessis.
10. Indica dez amigos para o meme literário.
Jorge Delmar, Ana Kennerly...para não sobrecarregar os amigos de trabalho!