Sobre Os três macacos
(Imagem publicada no Le Monde de 17/05/08)
Sobre Os três macacos, um filme de Nuri Bilge Ceylan ou quais os sacrifícios feitos às palavras em nome de uma hipotética felicidade ?
Uma história simples com dramas pessoais complexos que começa na estrada, onde o olho da câmara reflecte o olho ensonado do condutor seguindo-o de longe e vendo-o desaparecer numa estrada tortuosa e húmida como no final de um filme que no entanto começa aqui. Uma noite de tempestade um político, Servet atropela uma pessoa e vai pedir ao seu motorista, Eyrüp, para se incriminar no seu lugar, pagando o seu silêncio. Eyrüp vai preso deixando o seu filho Ismael e a sua mulher Hacer. Estes pedem dinheiro adiantado a Servet para comprar um carro, mas o político aproveita-se da situação para seduzir Hacer que alimenta uma paixão secreta e não partilhada.
Há poucas palavras, pouco diálogos neste filme, tudo gira em torno de um consentimento tácito e mútuo impregnado do maior silêncio. Os sons são ecos do quotidiano, nenhum violino vem temperar as emoções. É o ruído do vento a invadir os cortinados de um humilde apartamento, a modificar a configuração das nuvens ou a tropeçar nas ondas do mar. É o bater da chuva na calçada, nas paredes quase como única forma de salvação, ou de redenção, já que as lágrimas permanecem na intimidade do silêncio e ficam recolhidas na contenção das emoções violentas. É o ruído escamoteado do quotidiano dos comboios que passam por perto. São portas a abrir e a fechar. O silêncio da dor dos dias e do desespero atropelando a felicidade enclausurada no silêncio. Mas na ausência de palavras fermentam os afectos, tudo o que é mais sentido de forma instintiva do que descrito com vocábulos. A filmagem desenvolve-se numa luz inclinada dando ainda mais relevo à ausência de diálogo, aumentando a força de um mundo de desespero amplificando o que o silêncio esconde e o que os afectos evidenciam. É um mundo sem saída possível e o preço do silêncio perpetua-se de cima para baixo numa espécie de espiral social que remete para o nosso mundo, o nosso presente. Este é várias vezes relembrado através da única música do filme. Uma canção de amor e de traição quando o telemóvel de Hacer toca perdido no fundo da miscelânea confusão do saco de uma mulher. Esta mulher que nos oferece o único sorriso triste numa tentativa desesperada mas abortada de resolver um crime, porque o silêncio vem novamente oferecer uma ténue fresta de hipotética felicidade.
A força dramática das imagens ocupa todo o espaço da palavra e as personagens são expostas na sua maior pureza e nudez, ora belíssimas, ora feiíssimas, tal como é normalmente na vida. Não há uma justificação possível para o silêncio, mesmo se o cineasta faz aparecer uma criança falecida que poderia ser a raiz da dor ocultada pelo silêncio. A luz oblíqua de Istambul parece curvar os ombros dos homens e forçá-los a um destino que não escolheram. Um belíssimo filme que nos leva a reflectir sobre os afectos e as palavras.
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