Estado do tempo de ontem
As manhãs surpreendem-me com seu rosto de sombras e agarro as luzes que enchem as paredes da casa como sempiterna novidade
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
As manhãs surpreendem-me com seu rosto de sombras e agarro as luzes que enchem as paredes da casa como sempiterna novidade
©Michael Eastman, Flag Building, Illinois
«J'ai cherché l'Amérique sidérale, celle de la liberté vaine et absolue des freeways, jamais celle du social er de la culture - celle de la vitesse désertique, des motels et des surfaces minérales, jamais l'Amérique profonde des moeurs et des mentalités. (...)J'ai cherché la catastrophe future et révolue du social dans la géologie, dans ce retournement de la profondeur dont témoignent les espaces striés, les reliefs de sel et de pierre, les canyons où descend la rivière fossile,l'abîme immémorial de lenteur que sont l'érosion et la géologie, jusque dans la verticalité des mégalopoles. (...)»
Jean Baudrillard, Amérique
Eis uma notícia interessante no Público! Uma exposição portuguesa com cerca de 200 desenhos do caricaturista Honoré Daumier vai ser exibida no maior salão de humor de França. A mostra vai integrar o 27.º Salão de Caricatura de St-Just-Le-Martel, numa iniciativa do Museu Nacional de Imprensa. “Honoré Daumier é o melhor caricaturista do mundo”, disse ao PÚBLICO Luís Humberto Marcos, presidente do museu.
...
Uma pena não termos podido promover o património bordaliano das Caldas, aproveitando estas comemorações em torno do Daumier, para exportá-lo também!
Aproveito para publicar o texto integral datado de 2005 ( um resumo saiu na Gazeta e aqui) sobre a exposição: Obra Gráfica
O lápis de Bordalo instrumento da confluência entre História e Arte – Bordalo nas Caldas – Obra Gráfica
“Raphaël Augusto Bordallo Prostes Pinheiro (...) desde muito creança principiou revelando-se um temperamento insubmisso e voluntarioso, rebelde a toda a dominação e rotina, como frisantemente o demonstra esta anecdota interessantíssima. Sahido um domingo a passear com o avô, a cuja rispidez ninguém se atrevia a replicar, o pequeno Raphaël, encontrando no caminho outro petiz que lhe não despertou sympathia, entendeu que lhe não devia fallar, motivo pelo qual o severo jurisperito o censurou asperamente, fazendo-lhe ver que um menino bem educado devia cumprimentar todos os conhecidos. Raphaël tomou nota, e no domingo immediato, repetindo-se o passeio, desata a certa altura em grandes barretadas, sem que naquella occasião fosse passando alguém.
- Quem está o menino a cumprimentar d’esse modo? – perguntou intrigado o avô, franzindo o sobrolho.
- O avô não me disse outro dia para cumprimentar todos os conhecidos? Inquiriu por sua vez o pirralho.
- Disse, sim senhor.
- Pois está alli um meu conhecido... – respondeu Raphaël Bordallo.
E continuando a acenar com o chapéu, apontava um cão vadio que costumava errar por aquellas paragens.”
(Manuel de Sousa Pinto, 1915)
É a este homem, Rafael Bordalo Pinheiro, que sempre preservou a capacidade de surpreender e de ser surpreendido, que o Museu do Hospital e das Caldas dedicou a exposição intitulada Bordalo nas Caldas – Obra Gráfica. Através de reproduções e originais, seleccionados numa pesquisa elaborada pelo Património Histórico - Grupo de estudos e pelo Museu do Hospital, apresenta-se o olhar, moralizador social e político, do artista, sobre as Caldas da Rainha, nas publicações do António Maria, dos Pontos nos ii e da Paródia.
Se para constituir um território são necessários poucos estímulos; se a constituição de um território é quase o nascimento da arte, tal como afirma um grande
“Je vous dois la vérité en peinture, et je vous la dirai” (Cézanne a E. Bernard, 1905) Como se diz a verdade com as ferramentas da representação gráfica? Sabemos que os estudiosos das academias das artes davam importância à cópia dos modelos, à mimese, à cópia da natureza, mas como copiar o seu movimento? Como conceber um desenho como se fosse um instantâneo fotográfico? Desde muito cedo, alguns pintores de renome dedicaram-se à expressão do rosto. Neste contexto, houve estudos preciosos, sobre como sugerir efeitos de luz ou de textura e sobre a mestria das expressões fisionómicas, feitos por alguns pintores. No campo da caricatura, além do traço, todos remetem para a distinção teórica básica entre semelhança e equivalência. Os artistas preocuparam-se em desenvolver a sua memória visual e estudar as expressões do rosto humano. Neste campo as descobertas foram sucedendo-se. Leonardo da Vinci trabalhou os traços fisionómicos do rosto humano. Em 1696, Charles Le Brun dedicou-se ao estudo do desenho das paixões humanas com La Méthode pour apprendre à dessiner les passions. Mais tarde, William Hogarth debruçou-se sobre a memória visual da fisionomia da expressão humana. Alexander Cozens, o pintor das formas nefelibatas,
Neste contexto, o campo e a linha da caricatura, que devemos aos irmãos Carracci, serviu para formar o olhar crítico dos homens, mas também para ir mais longe na representação comprometida, que outrora chegou a ser submetida às tesouras de Anastásia (a censura), mas de que podemos, hoje em dia, verificar a herança e desfrutar a plenitude. Teríamos de falar de “O Lápis de Bordalo” à semelhança e igualmente ao de Daumier, para referir uma maneira impiedosa e precisa de retratar a sociedade, a vida política e as artes, posto que é com um pincel/lápis na mão que, frequentemente, o artista se representa.
(...)
É todo teu o vinho novo do desejo,
O fruto de quatro lábios que se unem
Até que o cabelo e as pálpebras se inflamem,
A baba de uma língua serpentina,
A espuma das serpentes do prazer,
Com mais sal do que a baba do mar,
Ora sentida como uma chama, ora a descansar
Como vinho vertido para mim.
(...)
Dolores de Algernon Charles Swinburne, in Os pré-rafaelitas. Antologia Poética, Lisboa, Assírio&Alvim, 2005, 349.
O mundo interior é, por assim dizer,
mais meu do que o exterior.
É tão íntimo, tão de casa...
Gostaríamos de viver só nele...
É como uma pátria.
É pena ser como o sonho, tão instável.
Por que terá aquilo que é melhor
e mais verdadeiro de parecer tão ilusório,
e o que é ilusório tão verdadeiro?
O que está fora de mim está em mim
neste momento, é meu -
e vice-versa.
Novalis, Fragmentos são sementes, Lisboa, Roma Editora, 2006, 91.
Mathias Lavin, La parole et le lieu - Le cinéma selon Manoel de Oliveira, Rennes, PU Rennes, 2008.
Raymond Depardon, La terre des paysans, Paris, Seuil, 2008.
George Steiner, Martin Heidegger, Paris, Flammarion, 2008
Desde sempre se construíram muros, primeiro para nos defender das invasões, proteger as nossas vidas, as nossas terras e os nossos bens. Só mais tarde é que outros tipos de muros se construíram. Se depois do muro de Berlim, estes muros impregnados de ideologia política e de opções de políticas internas começaram a proliferar sob o olhar impassível da ONU e das suas recentes e inconsequentes resoluções, estes parecem estar ancorados numa ideia de algo que sempre foi utópico, mas que paradoxalmente se afasta dos nossos textos fundadores e primordiais que apontam para a livre circulação dos seres humanos. Pois, nos mais conhecidos relatos utópicos, o espaço em que tal organização política e social é possível é sempre «entre muros», num espaço fechado.
Hoje em dia, apesar da famigerada ou bendita mundialização, continua-se a criar e construir muros que sob a égide da política constrange, limita, espia e/ou proíbe a livre circulação do ser humano, mas desta vez, estas divisões são feitas de olhos digitais indiscretos, de betão, de arame farpado e até de areia. Basta lembrar: o muro israelita de 730 km, a projectada barreira americana de cerca de 1120 km, a linha verde em Chipre, os «no man’s land » da Coreia, do Nicarágua, o arame farpado em Ceuta e Melila e o muro de areia de cerca de 2000 km no Sara Ocidental[1]. Parece que os governos estão todos muito empenhados em proteger algo pouco claro, mas sempre apresentado como sendo a protecção dos seus cidadãos face a outros cidadãos que por vezes até podem ser cidadãos conterrâneos!
Como perceber a fúria desencadeada, esporádica e especialmente em tempos pré-eleitorais, em torno da Segurança Nacional? Podemos verificar o grande desejo dos nossos governos europeus em controlar, as nossas deslocações, despesas, dívidas, doenças e quiçá cidadania? Por vezes, estas persistência dos media em torno dos assaltos e de outros crimes é duvidosa. Por um lado, ficamos «sem saber» se há sempre crimes - o que seria mais plausível -, ou se de facto os crimes só surgem antes de eleições. Portanto podemos ter dúvidas e perguntar-nos, se toda esta informação é autêntica ou manipulada. Também podemos pensar que por efeito de recuperação ou de aproveitamento, ou ainda de instigação o ruído em torno da segurança parece nada mais que uma manifestação profunda de um estado pseudo-democrático, em que a atitude paternalista exacerbada, decalcada sobre outros modelos longínquos e impostos que aliciaram a nossa fraca capacidade de discernimento europeia, atinge profundamente os nossos pobres neurónios gastos pelo fluxo de perfusões contínuas de electrões, ou das nossas retinas desgastadas pela inundação de LCD. São fluxos contínuos de imagens que infelizmente não chegaram a cumprir totalmente a sua primeira razão de ser, isto é, informar e dar a conhecer. É estranho, ser neste preciso momento, que se fala das matrículas electrónicas, que se volta a falar do cartão de cidadão único, isto como sendo uma grande inovação da tecnologia de que evidentemente o cidadão deveria beneficiar, ainda que seja a seu custo, ainda que o lado prático não oculte o lado mais profundamente perverso, ou seja, o facto de, pouco a pouco, nos ser retirada a nossa Liberdade. Parece que a nossa suposta segurança vai ter um preço bastante elevado! Depois do medo, há sempre outro medo e um estado que alimenta e fomenta este medo deve saber o preço do risco! Se há segurança possível aos olhos dos cidadãos esta é a tépida crença de que o estado estaria inquieto com a nossa integridade física, posto que saúde insegura? Isso, conhecemos! Segurança social insegura? Sabemos! Trabalho inseguro, isto é, o plano iniciado à velocidade de cruzeiro na Europa inteira? Vamos descobrindo! Mas por que razão o único e grande seleccionado deste Verão é a Segurança? Será que uma chapa de matrícula detentora de uma série de dados íntimos e será que um cartão de cidadão condensando a nossa cidadania vêm ao encontro da nossa segurança e liberdade? Neste contexto de azedume, tudo sabe a amargura. Vamos continuar a acreditar que todos os muros do mundo são a solução?
[1] Para mais informações ler os recentes artigos publicados in Le Monde. Dossiers & Documents, nº 378, Septembre 2008.
Debaixo da tua casa há corredores com respiratórios das vidas de cartão armazenados e esquecidos
Cada espaço afunila-se noutro com o peso dos passos por cima e os restos de vida por baixo