A palavra participação, que vem do latim participem, palavra formada de pars (parte) e de capere (tomar, agarrar), parece que se está a gastar e a esvaziar pelos meandros da democracia. No entanto, é uma daquelas palavras boas que merecem ser repetidas. Outra forma de dizer, mais próxima do latim, seria “tomar parte”. Por mais estranho que pareça, a palavra participação adquiriu contornos tão políticos que pesa nos cidadãos. É como se, por um encantamento secreto e subtil, a palavra carregasse consigo umas algemas engrinaldadas de um conjunto de pesos, sabiamente dispostos, que afastaram simples e – quase - propositadamente os cidadãos. O mais inquietante é que todos – desde os partidos às associações - se queixam sem procurarem encontrar uma estratégia baseada nas profundas causas deste fenómeno. Mesmo assim todos dizem procurar sem acreditar profundamente naquilo que podem fazer, ou por simples desespero, como se estivessem eles também contaminados pela rapidez, efemeridade e instantaneidade do mundo contemporâneo e ao mesmo tempo sabendo que todas as coisas sólidas se conquistam passo a passo de tartaruga, com todo o tempo necessário, com uma paciência de pedra polida, com um empenho genuíno, com uma persistência patética, mas resistente à usura, e uma crença sobre-humana naquilo que se está a fazer. Mas será que já não se acredita nas coisas palpáveis, tais como cidadãos a caminharem pelas ruas?
Há uns tempos que tenho andado às voltas com esta questão da participação, da “democracia participativa”, como se ouve dizer, longe do conceito filosófico ou político, mesmo se o pleonasmo não me agrada nada, mesmo se a junção de estas palavras não fazem sentido para mim. Pois não se completam na forma como são utilizadas pelos nossos dirigentes, porque estão impregnadas de “falsidão”, aquela coisa que sabemos que sabem, mas que mesmo assim deixamos que usem contra nós. Digo contra nós, porque estamos conformados com as falsas boas intenções atrás desta proposta que frequentemente é brandida como um estandarte político com cariz de marketing. Será assim? A nossa participação é negociável? Pode ser vendida ao desbarato? Esta questão do abdicar de participar envolve questões sociais muito mais graves e complexas de que se necessita com certeza um estudo sociológico muito aprofundado para que uma verdadeira estratégia possa ser delineada. Agora, Lembro-me de um estudo francês feito em torno da envolvência social em associações e grupos pelos trabalhadores precários. Este estudo apontava, como sendo uma das principais razões pela não envolvência e empenho do cidadão, a própria condição de trabalhador precário.
Então pergunto-me quanto a esta questão, se a precariedade que nos é imposta pelos nossos dirigentes, através do belo neologismo integrando o trabalho na flexisegurança, é forçosamente devida ao facto de que os nossos dirigentes não estão interessado na participação do cidadão! Esta possibilidade seria terrível! Não vos parece? Será possível, quando sabemos que muitas leis desde 1995 foram feitas para favorecer e motivar a participação e o envolvimento do cidadão em algumas das decisões locais? Não percebo muito bem esta postura! Se de facto os governos querem o envolvimento dos cidadãos, por que razão lhes retiram qualquer segurança e poder (sendo este poder não ligado à lei, à legislação, à legalidade de tal participação) para o fazer. Além da precariedade, parece-me que há outros factores que fazem com que não “tomemos parte”, um deles é o poder que a televisão adquiriu junto dos nossos cidadãos, uma liberdade à informação que todos nós pagamos bem caro e que, no entanto, não nos está a fazer crescer. Na verdade, acredito que deveríamos ser pagos para ver televisão já que só vemos aquilo que o poder, principalmente económico, quer que vejamos... Para quando? Quando é que vamos reagir e dizer como na canção do chileno Atahualpa Yupanqui....¡Basta ya! Sem contar a programação dos canais nacionais, a oferta de mais uns quantos canais é sempre mais um tempo retirado ao cidadão para estar com o Outro, mas também podemos verificar o desenvolvimento de uma arquitectura urbana pouco propícia ao encontro com o Outro. Os próprios cafés, que eram e poderiam continuara a ser um local de conversa e partilha, tornaram-se doravante espaços onde é impossível conversar posto que todos ostentam um ecrã gigante, um plasma captando todos os olhares, ou uma música tão alta que ninguém se ouve falar, nem apetece conversar com ninguém.
Vamos parar de pensar nas coisas que nos dizem respeito porque pensar cansa? Somos as ferramentas e os próprios instrumentos do não cumprimento da tão desejada democracia que se revela pela necessidade de falar em democracia participativa....?
Gazeta das Caldas, Ana da Palma