Acredito definitivamente que na política, como na literatura, não se trata da pequena história de um homem, mas sim, da grande História dos Homens. Nestes tempos de folia em que proliferam as pequenas histórias individuais, tanto escritas, como audiovisuais, também proliferam as pequenas histórias de discórdias, pequenos feudos de politiquices, pequenas histórias assazonadas de relações de ódio, influências e discórdias, pequenas histórias abundantemente espalhadas diante dos nossos olhos. No fundo não se trata de nada de novo! No meio de todo este ruído, se ouvirmos bem o solo e o coração de Portugal, ouviremos um grande zumbido de lamúrias, de queixas e de críticas de toda a ordem. São lamúrias sociais, culturais, laborais, políticas. São lamúrias docilmente sentadas no imenso cadeirão que, felizmente, estava em promoção num hipermercado à saída de uma das nossas cidades. É um som ensurdecedor. É um som surdo, porque perdemos a voz. Aquela voz atenta e alerta que explica, aquela voz que fala, que procura, que diz algo que tenha algum sentido, que diz exactamente o que precisamos saber. O que ouvimos agora é um lamento profundo sem voz, simplesmente porque pensamos todos em uníssono que o vizinho, ou o próximo, irá fazer ou dizer algo por nós, mas esquecemo-nos que o vizinho ( e quiçá o próximo) pensa o mesmo que nós e que está definitivamente sentado no mesmo cadeirão que nós! Entre vizinhos entendemo-nos, vivemos na mesma terra, consumimos os mesmos restos culturais, os mesmos programas, as mesmas notícias, os mesmos panfletos publicitários e até podemos ficar surpreendidos quando panfletos para um super ou hipermercado têm semelhanças estranhas com a propaganda política. Tudo passa. Vale tudo, posto que nada vale, mas em contrapartida estamos felizes por poder contestar ainda docilmente sentados no cadeirão.
A falta de participação cidadã de que todos se queixam é apenas o reflexo da falta de consistência nas propostas, na falta de diálogo, na falta de visão para o futuro. Toda a sociedade está encaminhada para um tempo sem futuro, dizem-nos que tudo está perdido, logo não há que participar, não há que lutar, não há definitivamente nada a fazer, posto que tudo parece estar nas mãos dos outros. Quem são os outros? Será que os outros poderiam simplesmente sermos nós?
Procuro a palavra Democracia e não encontro nada! Noutros tempos a democracia correspondia a uma cidade, onde o povo se governava a si próprio. A democracia era um conjunto de cidadãos. Falava-se então de isonomia, isto é, a igualdade nos direitos, de isegoria, isto é, a igualdade no falar e de isocracia, isto é, a igualdade no poder. Esta democracia reconhecia dois princípios fundamentais: a maioria e a igualdade perante a lei. Reconheço que apesar de sermos a maioria, constituímos a grande maioria a quem é retirado, arrebatado o direito de saber acerca das coisas que nos dizem respeito e, portanto, a quem é retirada a igualdade no falar. O pior, que tem vindo a acontecer, é que isto se reflecte a todos os níveis, desde as informações mais complexas às mais simples. Na verdade são tempos de folia, onde o maior ruído compra-se e paga-se; onde a formalidade de um discurso totalmente oco, disfarçado com palavras complicadas, incompreensíveis e com vagas ideias confunde o cidadão. O pior é que este discurso repete-se entre os próprios cidadãos.
(...)
Procuro a palavra Democracia e encontro Tucídides, o fundador da história política, não me quero alongar, ficam aqui estas palavras, para reler à luz dos nossos tempos, para reflectir sem considerar a realidade grega da época, porque a seguir virão sempre muitas mais! (palavras)
" A constituição que nos rege não tem nada a invejar aos outros povos; serve-lhes de modelo e não os imita. Recebeu o nome de democracia, porque o seu alvo é para o uso da maioria e não de uma minoria. Para os assuntos privados, todos são iguais perante a lei, mas apenas consideração é dada aos que se distinguem pelo seu talento. É o mérito pessoal, muito mais que as distinções sociais, que leva às honras. Nenhum cidadão capaz de servir a pátria é afastado por indigência ou pela sua condição."
Ana da Palma, Gazeta das Caldas 7 de Outubro de 2005