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ARESTAS

ARESTAS

O ramo da madrinha

RamodaMadrinha.jpg
Estabelecemos frequentemente laços entre o que nos rodeia e que vemos e outras imagens que vamos armazenando na memória. Ainda não percebi por que razão, por que magia a simplicidade e a beleza na mesa da cozinha da madrinha me tocou. Só me apercebi quando descarreguei as imagens, pois foram tantas da mesma coisa, só variavam os ângulos, a luz, o enquadramento, mas quase todas voltavam às flores da madrinha, a este ramo composto pelas flores do quintal, em que se pressentia a procura de um prazer simples, em que se percebia o momento em que as flores foram lentamente colhidas para serem expostas na mesa da cozinha com uma única finalidade, a beleza e a vida tão especial e específica que apenas as flores transmitem, aquele sentimento tão peculiar que nos comunicam os ramos colhidos com a inspiração do campo. Não era dia de festa, nem de convívio especial. Era um dia semelhante aos outros. A parede rachada pelo tempo e amarelecida pelos fumos do lar, onde a cinza é recolhida, brasa a brasa, na paciência escura da borralheira, depositada perto da fornalha, pá a pá. Nada se perde. Juntam-se as cinzas. São baldes para o quintal, ou para fazer a lixívia, que jazem na borralheira com outro destino útil, mesmo útil. Nesta cozinha escura todas as cores têm uma vida própria. A toalha estendida na mesa, a jarra metálica, o saco de plástico branco e as sementes de feijão cor-de-rosa, escondidas pelo quadro desta imagem, constituem tantas incongruências de uma estética da lentidão. Haste a haste, caule a caule, entre o verde e o rosa vem o sol, maravilha do quintal. Lá fora, a roupa quase branca continua a corar na luz, docemente, cada coisa com tempo, cada passo sua firme paciência, sem palavras juntas em frases feitas. Entre o plástico e o fumo, entre o que persiste e o que é efémero, permaneceu esta imagem de um ramo para aquele dia.
Depois da contemplação pura, foram outros os ramos evocados. Desde aquele que está fixado no canto esquerdo de um quadro de Velásquez, ainda como simples elemento decorativo, no Retrato da infanta Margarida (1653), onde de uma jarra de vidro verde se destaca uma rosa, ligeiramente inclinada para o azul da toalha, na qual pousa a mão da infanta, até aos impressionistas. Fiz novamente um percurso rápido pelos temas tratados pela pintura e verifiquei que com o impressionismo o retrato se acerca do seu objecto, procura, entre outros temas, a vista do pormenor e o seu aumento. Procurei entre algumas das flores e ramos representados e encontrei o Vaso de Peónias num Pedestal (1864) de Manet, em que uma mancha branca ocupa o espaço todo da tela; a Dama dos Crisântemos (1865), onde a abundância das flores e das cores em pleno centro do quadro pretende apontar para a mulher (Mme Valpinçon) à sua beira, no canto direito da tela; o Vaso com Crisântemos (1885) de Renoir, cuja abundância de pétalas recurvas parece anunciar um cansaço premente semelhante àquele que se encontra nos cemitérios no momento de Todos os Santos; fica também um quadro de que não me lembro nem a data, nem o título de Berthe Morisot, mas que está gravado na minha memória como uma única flor encarnada; depois vem o puro encantamento da Jarra com Margaridas e Anémonas (1887), dos Doze Girassóis numa Jarra (1888) e da Natureza Morta: Jarra com Aloendro e Livros (1888) de Van Gogh, como uma procura da cor e do equilíbrio; seguem o Ramo de Flores, óleo sobre tela (1896) e a aguarela intitulada Ramo de Flores (1895-96) de Gauguin, cuja mancha releva da poesia pura. Depois voltamos a outro tipo de distanciamento, onde novamente o ramo está associado a algo mais, ou à mulher com Matisse: Natureza-Morta com “A Dança” (1909), Flores e cerâmica (1911), Natureza morta espanhola (1911) e algo muito revelador A lição de Pintura (1919), ou A mesa Preta e também Chagall com Mulher com Ramo de Flores (1910) e Os Amantes nos Lilases (1930); um tema abordado novamente por Warhol com Modelo para Pintores Amadores (Narcisos) (1962). Fica o espaço livre para todos os outros ramos, aqueles que estão ainda por vir. (Ana da Palma, Gazeta das Caldas,25/08/06)

Antes Cartago


O último adeus de Dido a Eneias

“Neque te teneo neque dicta refello:
i, sequere Italiam uentis, pete regna per undas.
Spero equidem medii, si quid pia numina possunt,
supplicia hausurum scopulis et nomine Dido
saepe uocaturum. Sequar atris ignibus absens
et, cum frígida mors anima seduxerit artus,
omnibus umbra locis adero. Dabis, improbe, poenas.
audiam et haec manis ueniet mihi fama sub imos.”

Fascínios (1)

dagporm.jpg
...Toda a gente fala de fotografia como de uma outra pintura...É ainda a velha querela sobre a imitação ou não da Natureza, do que faz ou não faz com que a fotografia seja uma arte, como a pintura, ou, pelo contrário, nada tenha a ver com ela, etc. então é necessário “enfiar o nariz”, ver de mais perto, no próprio momento em que ocorre a acção, e não no produto dela, ou então numa híbrida ambiguidade que contenha os dois, uma múltipla dispersão de ambos, louca revelação banhado o vento que passa...numa vasta questão de visar e de enquadrar (um depósito de saber e de técnica), no receio do momento inelutável onde o indicador recurvado e decidido se apoia sobre o disparador ou lança ao mesmo tempo um brilho electrónico (um depósito de saber e de técnica), na brutalidade do polegar que faz progredir o filme, sentido com nitidez pelos músculos da falange...naquilo que pesa nas mãos, mantido à altura dos olhos ou sobre o ventre ou de braços caídos; depósito de saber e de técnica, fogo cruzado...necessária questão de tempo e de morte, matéria-prima precisa como nenhuma outra teoria jamais o foi... A questão já não é “que problema nos levanta uma fotografia?” nem “o que é que um filósofo pode fazer de uma fotografia?” ...é sobretudo “com o que é que a fotografia se pode relacionar, a partir do momento em que a tiramos?” (DENIS ROCHE, 1978)
Existem algumas imagens que desde sempre tiveram uma grande influência sobre a arte fotográfica, desde no que diz respeito à técnica até ao ícone. Entre elas, encontra-se esta fotografia de Daguerre. Trata-se de uma vista panorâmica. Á primeira vista não há nada de muito extraordinário nem de significativamente surpreendente nesta imagem. No entanto há que saber que as chapas de iodeto de prata eram positivas, únicas, submetidas a muitas manipulações e que só revelavam uma imagem quando estavam expostas a um determinado ângulo de luz. As sessões de fotografia eram demoradas e constituíam verdadeiros momentos experimentais que frequentemente levavam a conclusões negativas. Daí a famosa lenda do daguerreótipo que relata a experiência de um provinciano, chamado Monsieur Balandard, que desejava oferecer à sua esposa o seu retrato e que, depois de estar submetido aos cuidados do daguerreotipista Monsieur Carcassonne, acaba por desaparecer completamente. Para a fotografia que procurava fixar o momento como nunca fora possível, com todo o grau de certeza, de verdade e de autenticidade, o desaparecimento torna-se o maior problema desta arte incipiente. O desaparecimento tornou-se a palavra-chave, aquela em que a ciência e o mito se encontravam para dar lugar a algo de mágico. Pois a fotografia podia não só fixar o corpo e o olhar, como eventualmente aceder à alma, roubando-a definitivamente àquele que se deixasse tirar o retrato.
Voltando a esta imagem, se olharmos bem, vemos um céu, uma avenida, prédios e árvores. No entanto há três manchas mais claras, de um branco acinzentado que se destacam entre os outros tons de cinza e preto: o céu, a avenida que liga o último plano ao primeiro e a fachada do prédio no primeiro plano. Entre estas manchas, podemos ver sombras e formas mais escuras constituídas pelas árvores, as sombras das árvores os seus troncos, as fachadas contra o sol dos prédios, a floresta de chaminés e falta, ainda, referir uma sombra que foi muito comentada e que se encontra no primeiro plano. Trata-se de dois vultos. São duas personagens frente a frente, cuja sombra funciona como um indício. À beira do passeio podemos observar a resistência, ou a persistência, de dois corpos parados. É frequentemente a falha numa obra que surge como uma revelação.
Voltemos atrás!
Pelas sombras curtas produzidas pela luz do dia, verificamos que deve ter sido feita quando o sol ainda estava alto no céu, não podemos ser conclusivos quanto ao momento. Será o início da manhã ou o final da tarde? Contudo, podemos pensar, pelas sombras das árvores, que o sol parece encontrar-se a meio caminho entre o horizonte e o topo do céu. Algo nos indica que deveria de haver pessoas, carruagens, deveria de haver alguma vida, no entanto não vemos nada. Não há ninguém nesta avenida! Ninguém passa, ninguém caminha, não há ninguém a não ser os dois vultos.
Não sei o tempo de exposição, pois conta-se que em função do ângulo de incidência da luz, este variava de 5 a 40 minutos. Não sei quanto tempo Daguerre calculou ser necessário para esta imagem se formar na chapa, mas o que é fascinante é que foi esse tempo que tornou invisível tudo o que estava em movimento, toda a velocidade foi apagada da imagem e apenas ficou gravado para a perenidade o que estava imóvel, ou seja, estes dois vultos, um homem de pé e outro a engraxar os seus sapatos. A falha permanece naquilo que está invisível, no entanto esta chapa pode ter sido uma pequena vitória da fotografia!
(Ana da Palma, Gazeta das Caldas, 18/08/06)

Leituras de Verão: O mundo grego no “O escudo de Aquiles” (2)

O que mais surpreende é devido ao facto que os mais famosos episódios da Guerra de Tróia não são contados na Ilíada. Todas as histórias mais frequentemente evocadas e relembradas, como o rapto de Helena, a morte de Aquiles, o cavalo de Tróia, a destruição da cidade, ou a fuga de Eneias não aparecem relatadas nesta epopeia, mas são contadas por Ulisses na Odisseia, ou noutros poemas do ciclo troiano. Voltando ao escudo de Aquiles, a representação do universo está organizada no seu centro em três círculos. O primeiro descreve duas cidades, as que referimos no artigo anterior, o segundo a vida campestre, o terceiro evoca a vida bucólica e o último círculo representa o Oceano. Na cidade em guerra, podemos ver dois exércitos de armas ofuscantes, ou seja, escuras. Poderíamos deduzir que se trata de ferro, por ser preto, mas este indício surge no contexto dos anacronismos arqueológicos que foram levantados pelos estudiosos da obra de Homero e pode não ser um erro se considerarmos que o autor fala da época do bronze, estando na época do ferro. Por outro lado, podemos também observar as técnicas de combate. Estas eram baseadas na emboscada e no efeito de surpresa, demonstrando astúcia, mas também se justificavam devido ao pequeno número de atacantes, ou à quantidade de armas disponíveis, ou ainda por causa da configuração geográfica do terreno. As mulheres, os idosos e as crianças defendiam as muralhas, enquanto os homens combatiam no exterior. O tamanho das personagens indica a sua importância, esta forma de representação hierárquica foi muito utilizada até ao período medieval. Os deuses são maiores que os seres humanos e têm armas doiradas, enquanto os mortais são pequenos e têm armas escuras. A batalha vai se travar depois dos dois pastores aparecerem. Este trecho dá-nos informação sobre os pastores que tocam flauta e sobre o tipo de animais que pastavam: ovelhas e bois de chifres recurvos. Alguns guerreiros combatem a cavalo e todos tem lanças ornadas de bronze. A batalha trava-se ao longo das margens do rio e vão arrastando os cadáveres de ambas partes, revelando a importância de dar uma sepultura aos mortos. Noutra cena podemos ver os trabalhos nos campos. A terra macia, fértil e abundante, assim como a técnica utilizada para lavrar e o costume de trazer um copo de vinho ao lavrador. A organização dos trabalhos do campo, ceifa e a utilização de fouces está representada da seguinte forma: uns cortam e outros ligam em feixes. Podemos ver as crianças a enfeixarem e o rei feliz no meio de todos os trabalhadores. Esta descrição é interessante para perceber as relações entre os que trabalhavam os campos do rei, proprietário das terras, que participa de modo passivo no trabalho, pela sua simples e feliz presença. Vemos os arautos que sacrificam um boi aos deuses para obter os seus favores e as mulheres que preparam a comida a base de farinha branca, talvez trigo, para a refeição dos trabalhadores. Vemos rapazes e raparigas participarem nas vindimas ao som da cítara e ficamos com alguns dados sobre a prática de fazer vinho. O vinho dos gregos, como o dos romanos, era um vinho aromático ao qual adicionavam especiarias tais como canela, açafrão, sal, mas também ervas aromáticas, tais como tomilho e hortelã, assim como flores, rosa, madressilva e flores de pessegueiro e, igualmente, gesso e pó de mármore. Podemos ver uma cena de divertimento com danças e música, assim como outros momentos do quotidiano. Várias personagens mitológicas são evocadas através da dança que o ilustre Dédalo, pai da escultura, teria esculpido na pedra, relembrando a dança de Teseu, depois de ter vencido o Minotauro. Durante a dança, rapazes vestidos de túnicas e raparigas com vestes de pano fino movimentam-se segurando-se pelo pulso, correm rapidamente numa roda, ou lentamente uns atrás dos outros. No meio deles estão dois acrobatas e o poeta, o aedo, cantando e tocando lira. (Ana da Palma, Gazeta das Caldas,11/08/06)

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