O que mais surpreende é devido ao facto que os mais famosos episódios da Guerra de Tróia não são contados na Ilíada. Todas as histórias mais frequentemente evocadas e relembradas, como o rapto de Helena, a morte de Aquiles, o cavalo de Tróia, a destruição da cidade, ou a fuga de Eneias não aparecem relatadas nesta epopeia, mas são contadas por Ulisses na Odisseia, ou noutros poemas do ciclo troiano. Voltando ao escudo de Aquiles, a representação do universo está organizada no seu centro em três círculos. O primeiro descreve duas cidades, as que referimos no artigo anterior, o segundo a vida campestre, o terceiro evoca a vida bucólica e o último círculo representa o Oceano. Na cidade em guerra, podemos ver dois exércitos de armas ofuscantes, ou seja, escuras. Poderíamos deduzir que se trata de ferro, por ser preto, mas este indício surge no contexto dos anacronismos arqueológicos que foram levantados pelos estudiosos da obra de Homero e pode não ser um erro se considerarmos que o autor fala da época do bronze, estando na época do ferro. Por outro lado, podemos também observar as técnicas de combate. Estas eram baseadas na emboscada e no efeito de surpresa, demonstrando astúcia, mas também se justificavam devido ao pequeno número de atacantes, ou à quantidade de armas disponíveis, ou ainda por causa da configuração geográfica do terreno. As mulheres, os idosos e as crianças defendiam as muralhas, enquanto os homens combatiam no exterior. O tamanho das personagens indica a sua importância, esta forma de representação hierárquica foi muito utilizada até ao período medieval. Os deuses são maiores que os seres humanos e têm armas doiradas, enquanto os mortais são pequenos e têm armas escuras. A batalha vai se travar depois dos dois pastores aparecerem. Este trecho dá-nos informação sobre os pastores que tocam flauta e sobre o tipo de animais que pastavam: ovelhas e bois de chifres recurvos. Alguns guerreiros combatem a cavalo e todos tem lanças ornadas de bronze. A batalha trava-se ao longo das margens do rio e vão arrastando os cadáveres de ambas partes, revelando a importância de dar uma sepultura aos mortos. Noutra cena podemos ver os trabalhos nos campos. A terra macia, fértil e abundante, assim como a técnica utilizada para lavrar e o costume de trazer um copo de vinho ao lavrador. A organização dos trabalhos do campo, ceifa e a utilização de fouces está representada da seguinte forma: uns cortam e outros ligam em feixes. Podemos ver as crianças a enfeixarem e o rei feliz no meio de todos os trabalhadores. Esta descrição é interessante para perceber as relações entre os que trabalhavam os campos do rei, proprietário das terras, que participa de modo passivo no trabalho, pela sua simples e feliz presença. Vemos os arautos que sacrificam um boi aos deuses para obter os seus favores e as mulheres que preparam a comida a base de farinha branca, talvez trigo, para a refeição dos trabalhadores. Vemos rapazes e raparigas participarem nas vindimas ao som da cítara e ficamos com alguns dados sobre a prática de fazer vinho. O vinho dos gregos, como o dos romanos, era um vinho aromático ao qual adicionavam especiarias tais como canela, açafrão, sal, mas também ervas aromáticas, tais como tomilho e hortelã, assim como flores, rosa, madressilva e flores de pessegueiro e, igualmente, gesso e pó de mármore. Podemos ver uma cena de divertimento com danças e música, assim como outros momentos do quotidiano. Várias personagens mitológicas são evocadas através da dança que o ilustre Dédalo, pai da escultura, teria esculpido na pedra, relembrando a dança de Teseu, depois de ter vencido o Minotauro. Durante a dança, rapazes vestidos de túnicas e raparigas com vestes de pano fino movimentam-se segurando-se pelo pulso, correm rapidamente numa roda, ou lentamente uns atrás dos outros. No meio deles estão dois acrobatas e o poeta, o aedo, cantando e tocando lira. (Ana da Palma, Gazeta das Caldas,11/08/06)