Cantar
é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras
fique embora mais breve a nossa vida
( Canto, Carlos de Oliveira)
A palavra parece anódina, mas acaba por preencher grande parte do nosso quotidiano. O tempo sempre preocupou o homem. O tempo e principalmente a falta de tempo sempre foi uma grande desculpa. Pois na verdade, temos sempre tempo para fazer aquilo que nos agrada mesmo, nem que seja ficarmos imóveis! A este propósito, eis uma pequena delícia do dia do músico descrito por Erik Satie: Levanto-me às 7:18; estou inspirado das 10:23 às 11:47. Almoço às 12:11 e saio da mesa às 12:14. Dou um salutar passeio a cavalo, no fundo do meu parque das 13:19 às 14:53. Outras inspirações das 15:12 às 16:07. Ocupações diversas (esgrima, reflexões, imobilidade, visitas, contemplação, habilidade, natação, etc.) das 16:21 às 18:47. O jantar é servido às 19:16 e terminado às 19:20. Seguem-se leituras sinfónicas em voz alta das 20:09 às 21:59. Deito-me regularmente às 22:37. Semanalmente, acordo em sobressalto às 3:19 (à terça-feira). A gestão do tempo sempre foi uma grande preocupação dos homens e até chegamos a utilizar e a aplicar o célebre conjunto de palavras time is money, quando pensamos em termos de uma sociedade produtiva. Tenho, ocasionalmente, pensado sobre o tempo. Este acaba sempre por obedecer às nossas prioridades internas, que por vezes não definimos muito bem. Há quem sabe gerir o seu tempo em termos de ordenação e coordenação entre o trabalho, os deveres e afazeres, as tarefas e os prazeres. Há quem precisa de tempo. Há quem esbanja tempo. Há quem desafia o tempo. Tempo é uma daquelas palavras que constitui um verdadeiro pano de fundo às nossas ocupações diárias. Como sempre me fascinou a origem das palavras, verifiquei que o vocábulo Tempo vem da palavra latina tempus que significa divisão da duração, momento, instante, tempo, mas também época favorável, circunstância, conjuntura e que se reencontra ainda em muitas línguas vivas quase com a mesma ortografia. Portanto, por um lado, temos o tempo interior e, por outro lado, o tempo que se pode contar ou medir. Para isso há também o termo grego Chronos, palavra que reencontramos em vocábulos como cronologia, ou cronómetro. A mitologia grega conta que Cronos era um titã casado com a sua irmã, Rea, de que teve três filhos. A partir do dia em que lhe foi predito que seria destronado pelo seu próprio filho, cada ano ele devorava os seus filhos. A mitologia grega tem estes pequenos pormenores que indicam o ciclo da natureza, a renovação e a ligação do homem à terra, pois Cronos devorava os seus filhos cada ano, em vez de ser cada vez que a sua esposa dava à luz. Um dia Rea furiosa e triste de ver todos os seus filhos engolidos por Cronos, quando deu à luz Zeus, decidiu salvá-lo e Zeus foi escondido na Creta, onde escapou à folia de Cronos. Depois de uma guerra longa de dez anos o deus do Olimpo venceu o seu pai e libertou os seus irmãos com a ajuda dos ciclopes e dos gigantes. Desta garganta sem fundo que é o tempo permaneceram uma série de representações e de ditados. Para estas primeiras palavras sobre o tempo resolvi visitar os primeiros momentos de divisão do tempo, uns dos primeiros instrumentos dos homens para dividir e medir o tempo foram os relógios solares. Um dos que encontrei perto da freguesia de A-dos-Francos, à beira da estrada, dissimulado pela sombra de um sobreiro imenso, foi talhado na pedra. Parei para observar o relógio do tempo à hora do sol. Fiquei perplexa quando tentei perceber o que estava escrito em latim na parte superior do relógio: SICRANS
SITUITA
SICUT
ISTE.
Deixo-vos com o tempo...
(Ana da Palma, Gazeta das Caldas9/09/05)