Fermentação
É assim! Há um tempo que chamaria de fermentação.
Todo pensamento, todo trabalho de escrita obedece a esse tempo necessário.
O tempo necessário para reconsiderar pensamentos, tempo necessário para outras leituras, outras descobertas, outras amizades, outros amores, ou paixões.
Este meu tempo de fermentação!
Fiquei surpreendida comigo. Pois, apercebi-me que precisava de ler os poetas para alimentar o meu pensar, dar de beber ao trabalho de escrita...nada de novo! A teoria não chega. Já Platão dizia que a poesia dava de beber e alimentava as paixões...paixões ... mas não tão só as paixões carnais...até porque é frequentemente o contrário!
A poesia alimenta a alma.
Mesmo se para Platão a questão de alimentar as almas com poesia tem uma conotação depreciativa, dado que o poeta deve ser expulso da Republica.
Ainda assim, sinto algum receio em empregar as palavras poesia, paixão e alma... sobretudo porque as palavras paixão e alma remetem definitivamente (ou quase...ainda) para coisas muito específicas em função dos nossos dados sociais e culturais.
A Poesia não é, nunca foi para mim algo de exclusivamente ligado ao amor e ao bucolismo. A poesia intimista agrada-me vez em quando , mas nunca poderia lê la de forma contínua, mesmo se aprecio alguns dos grandes poemas sempre referidos e citados. A poesia intimista é para mim uma leitura pontual , com uma referência a um momento e um estado de alma. Prefiro a poesia que fala da poesia, aquela que se compromete com aquelas outras coisas que nos tocam.
Agora relembro que a minha primeira grande paixão literária foi um poema de Rimbaud intitulado Les étrennes des orphelins " ...não vou reler o poema mesmo se a tentação é grande, neste momento, o que me tocou naquele instante foram os pés nus das crianças órfãs no soalho. Uma coisa tão simples, tão insignificante como o frio nos pés das crianças.
Penso frequentemente nisto e ainda não percebi porque razão foi isto que ficou do poema.
Mais tarde, decorei (ainda sei de cor!) o Barco ébrio do mesmo autor e quando penso em versos as palavras que chegam aos meus lábios são estas:
J'ai rêvé la nuit verte aux neiges éblouies,
Baisers montant aux yeux des mers avec lenteurs ,
La circulation des sèves inouies,
Et l'éveil jaune et bleu des phosphores chanteurs "
(Sonhei a noite verde de neves deslumbradas, beijos subindo aos olhos do mar com lentidões/ a circulação das seivas inacreditáveis/ E o despertar amarelo e azul dos fósforos cantores. - rápida tradução literal, pois uma tradução respeitando as rimas terá necessariamente que ser diferente! Penso que ambas importam, mas como o significado destes versos tocam todos os meus sentidos, só me dediquei, neste momento, a isso nesta tradução)
O plural de lenteurs / lentidões sempre suscitou interrogações. Uma iguaria linguística, a própria beleza desta quadra reside para mim neste plural, inaudível na linguagem falada francesa.
(para continuar)
Todo pensamento, todo trabalho de escrita obedece a esse tempo necessário.
O tempo necessário para reconsiderar pensamentos, tempo necessário para outras leituras, outras descobertas, outras amizades, outros amores, ou paixões.
Este meu tempo de fermentação!
Fiquei surpreendida comigo. Pois, apercebi-me que precisava de ler os poetas para alimentar o meu pensar, dar de beber ao trabalho de escrita...nada de novo! A teoria não chega. Já Platão dizia que a poesia dava de beber e alimentava as paixões...paixões ... mas não tão só as paixões carnais...até porque é frequentemente o contrário!
A poesia alimenta a alma.
Mesmo se para Platão a questão de alimentar as almas com poesia tem uma conotação depreciativa, dado que o poeta deve ser expulso da Republica.
Ainda assim, sinto algum receio em empregar as palavras poesia, paixão e alma... sobretudo porque as palavras paixão e alma remetem definitivamente (ou quase...ainda) para coisas muito específicas em função dos nossos dados sociais e culturais.
A Poesia não é, nunca foi para mim algo de exclusivamente ligado ao amor e ao bucolismo. A poesia intimista agrada-me vez em quando , mas nunca poderia lê la de forma contínua, mesmo se aprecio alguns dos grandes poemas sempre referidos e citados. A poesia intimista é para mim uma leitura pontual , com uma referência a um momento e um estado de alma. Prefiro a poesia que fala da poesia, aquela que se compromete com aquelas outras coisas que nos tocam.
Agora relembro que a minha primeira grande paixão literária foi um poema de Rimbaud intitulado Les étrennes des orphelins " ...não vou reler o poema mesmo se a tentação é grande, neste momento, o que me tocou naquele instante foram os pés nus das crianças órfãs no soalho. Uma coisa tão simples, tão insignificante como o frio nos pés das crianças.
Penso frequentemente nisto e ainda não percebi porque razão foi isto que ficou do poema.
Mais tarde, decorei (ainda sei de cor!) o Barco ébrio do mesmo autor e quando penso em versos as palavras que chegam aos meus lábios são estas:
J'ai rêvé la nuit verte aux neiges éblouies,
Baisers montant aux yeux des mers avec lenteurs ,
La circulation des sèves inouies,
Et l'éveil jaune et bleu des phosphores chanteurs "
(Sonhei a noite verde de neves deslumbradas, beijos subindo aos olhos do mar com lentidões/ a circulação das seivas inacreditáveis/ E o despertar amarelo e azul dos fósforos cantores. - rápida tradução literal, pois uma tradução respeitando as rimas terá necessariamente que ser diferente! Penso que ambas importam, mas como o significado destes versos tocam todos os meus sentidos, só me dediquei, neste momento, a isso nesta tradução)
O plural de lenteurs / lentidões sempre suscitou interrogações. Uma iguaria linguística, a própria beleza desta quadra reside para mim neste plural, inaudível na linguagem falada francesa.
(para continuar)