Tradução: COMUNA DE PARIS, 1871, AS MULHERES MOBILIZADAS | de Philippe Darriulat
COMUNA DE PARIS, 1871, AS MULHERES MOBILIZADAS
Foi exactamente há cento e cinquenta anos. Este ano há muitas as manifestações comemorativas sobre acontecimento excepcional que, como qualquer acontecimento, como qualquer momento da história humana, só foi possível devido ao envolvimento de mulheres e de homens. E há que reconhecer que as primeiras, apesar de terem estado tão presentes como os segundos, foram muito mais depressa esquecidas. Esta marginalização memorial pode ser explicada de várias maneiras. Primeiro, é sem dúvida a consequência do facto da história e da memória, por terem sido durante muito tempo obras exclusivamente masculinas, tenderem a minimizar o lugar ocupado pelas mulheres. Segundo, trata-se provavelmente de uma realidade mais prosaica, pois a participação feminina na Comuna fez-se fora da estrutura governamental oficial em que apenas homens participavam. Para agir, para serem ouvidas, as mulheres tiveram que utilizar outros meios aos que apenas uma história do “basta” pode dar vida e que demorou muito tempo antes de se impor.
PORTADORAS DE REIVINDICAÇÕES ESPECÍFICAS
Como os órgãos representativos da Comuna de Paris não eram mistos, houve consequências nas decisões deste governo revolucionário que nunca chegou a propor o direito de voto para as mulheres, apesar de ter sido muito audacioso nas áreas sociais e políticas: a separação da Igreja e do Estado, o reconhecimento das formas de democracia directa, a cidadania para estrangeiros, a laicização do ensino, o princípio da escola gratuita e obrigatória, a requisição das oficinas abandonadas, a supressão dos exércitos permanentes, a proibição do trabalho nocturno, a requisição das habitações vazias, etc.. Este direito de voto, as Comunardas não o reclamaram, nem exigiram o poder de participar no governo.
Desde 19 de Julho de 1870, data da declaração da guerra franco-prussiana, as vozes das mulheres reforçou-se consideravelmente. Durante o longo e gelado inverno, em que Paris foi sitiada pelo exército prussiano, foram elas que, todas as manhãs, desafiando o frio e o cansaço, faziam longas filas à frente das lojas vazias para tentar conseguir um pouco de comida. Nessas filas, falavam certamente da vontade patriótica de resistir à invasão, da fome, do frio, dos burgueses de Paris que fugiram os rigores do estado de sitio, das necessidades da população faminta e abandonada. Não é portanto estranho que estas mulheres tenham querido ser actrizes dos acontecimentos nos quais participavam: constituíram sociedades de socorros e postos médicos temporários, organizaram refeições para as crianças, formaram oficinas de 600 operárias, participaram nos numerosos clubes, alguns eram exclusivamente femininos, e criaram a União das Mulheres para a defesa de Paris e os cuidados aos feridos. A 18 de Março de 1871, quando os soldados do general Vinoy subiram aos contrafortes da colina de Montmartre para requisitar os canhões pagos com as contribuições patrióticas e populares, elas eram sem dúvida maioritárias na multidão que se opôs a esta intervenção, foram elas que fraternizaram com os soldados e, nessa noite, na rue des Rosiers (actualmente rue du Chevalier de la Barre) foram elas que mandaram fuzilar os generais Clément-Thomas e Lecomte.
A voz destas mulheres foram portadoras de reivindicações específicas: pediram a criação de infantários, pregaram o direito ao divórcio, o reconhecimento da união livre, a igualdade social no seio do casamento, obtiveram o fecho dos lupanares e a proibição da prostituição na via pública, exigiram que para trabalho igual os seus salários fossem iguais aos dos homens, etc. Algumas pediram igualmente o direito de poder participar nos combates: assim, a 13 de Maio de 1871, uma centena delas foi até ao Hôtel de Ville para reclamar armas.
RETRATO DE COMUNARDAS COMBATENTES
Tentámos reencontrar vestígios, no 18ºbairro de Paris, onde tudo começou a 18 de Março de 1871. Temos que nos lembrar de Marguerite Boivin, uma costureira de 37 anos, ferida a 18 de Março na Colina quando se opunha à chegada dos soldados do general Vinoy. Marie Georget (esposa Voisin) de 24 anos, era, com o seu marido, cantineira do 154º batalhão da Guarda Nacional e foi a instigadora de uma petição pedindo a laicização do pessoal das escolas. Presa a 22 de Maio, na rua Cortot, detentora de uma “farda, um punhal e um revólver” foi detida em Versailles, Clermont e Rouen antes de ser absolvida em Março 1872. Anne Chéron, com nome de solteira Germain, uma lavandeira de 36 anos, que vivia no nº5 da rue Myrha, ajudada por Henriette Bouquin que morreu na prisão, preparava a sessão do clube blanquista da Revolução que se reunia na igreja Saint-Bernard. Foi detida a 31 de Maio, deportada para a Nova Caledónia de onde só regressou em 1879. Joséphine Poinboeuf, conhecida por Alix, mulher submissa - prostituta inscrita oficialmente nos registos da polícia - de 30 anos, vivendo no 25 rue de la Charbonnière, foi condenada a quinze anos de trabalhos forçados por ter sido “cúmplice na detenção de um sargento da cidade”. Também houve Marie Lavernoy, esposa May, costureira de 31 anos, residindo no 12 rue Doudeauville. E Henriette Dellière, ela também costureira (havia muitas em Paris e particularmente no 18ºbairro), companheira do porta-estandarte do 257º batalhão. Esta foi acusada de ter pilhado alimentos em Neuilly para trazê-los para Paris. Ou ainda Céleste Hardouin, que não teve um papel de primeiro plano, mas que foi “detida a 7 de Julho de 1871 quando estava com os seus estudantes”, foi aprisionada em Versailles e absolvida a 17 de Outubro. Publicou um livro, La détenue de Versailles, em 1879, felizmente um texto reencontrado e reeditado pela sua bisneta… ela também professora no 18ºbairro.
AS MILITANTES DO CLUBE VERMELHO
Para encontrar estas mulheres o melhor era ir até Château Rouge. Desde 1847 havia uma famosa sala de baile. Durante a Comuna, servia para as reuniões do Comité de Vigilância de Montmartre. Criado por Georges Clemenceau, presidente da câmara do 18ºbairro, a 4 de Setembro de 1870, no dia em que Léon Gambetta proclamava a República, este clube desempenhou um papel determinante na defesa dos canhões de Montmartre. Estava dividido entre um clube masculino e um clube feminino. A sua reputação de clube vermelho era bem estabelecida. Louise Michel, nas suas Mémoires, falava dele nestes termos: “ O 18ºbairro era o terror dos gananciosos e outras espécies. Quando se dizia: Montmartre vai descer! Os reaccionários enfiavam-se num buraco, tal como animais perseguidos, e fugiam deixando comida a apodrecer nos seus esconderijos enquanto Paris morria à fome.”
Neste clube feminino, podia-se cruzar muitas militantes, belas personagens que devemos tirar do anonimato.
Em primeiro, havia aquela que com o seu cinto vermelho e insígnia, presidia às sessões: Sophie Doctrinal, esposa Lemarcand, chamada Poirier, uma costureira de 41 anos. Durante o estado de sítio, ela dirigia um ateliê que empregava até 80 trabalhadoras com as quais ela partilhava os seus benefícios. Na véspera da Comuna, o ateliê teve que fechar e tornou-se num posto médico temporário. Muito atenta à defesa dos direitos das mulheres, Sophie Doctrinal foi condenada a 10 de Abril de 1872 à deportação em recinto fortificado. Morreu na prisão, na central de Auberive, a 21 de Maio de 1879. Estava acompanhada por duas vice-presidentas, as mulheres Tesson e Barois, esta última tendo sido particularmente activa na luta contra a prostituição.
FEMINISTAS, SOCIALISTAS, JORNALISTAS…
Conhecemos bem a secretária do Comité, trata-se de Anna Jaclard, com nome de solteira Korvin-Krukovskaja. Esta mulher russa, blanquista e militante da Internacional, tinha então 26 anos. Filha de um general, descendente de uma velha família da aristocracia russo-lituana, conheceu muito bem Fyodor Dostoiévski que publicara um dos seus contos e que lhe tinha pedido de casar com ele em 1865. Ainda que tenha recusado esta proposta, conservou relações amistosas e epistolares com o famoso escritor. Foi na mesma altura que deixou a Rússia para se instalar em França onde conheceu o seu esposo, um revolucionário com quem foi obrigada a exilar-se em Genebra. De regresso a Paris, a 13 de Fevereiro de 1871, participa na Comuna, nomeadamente no seio do Comité de Vigilância onde foi, entre outras coisas, delegada dos hospitais e postos médicos temporários, cuidando pessoalmente dos feridos. Foi condenada por contumácia a 29 de Dezembro de 1871 aos trabalhos forçados à perpetuidade. Conseguiu fugir para a Suíça com o seu marido e seguidamente para a Rússia, só regressou a Paris em Junho de 1879, quando foi perdoada. Marie-Adrienne Colleville, chamada Bontemps, lavandeira de 45 anos, condenada por contumácia à deportação, conseguiu exilar-se em Londres. Lydie Rollat, esposa Larché, fabricante ou vendedora de camisas, vivendo no 30 rue Doudeauville, foi condenada a 23 de Maio de 1872 a dois anos de prisão e a cinco anos de vigilância. Adèle Esquiros, com o nome de solteira Battanchon, poeta e jornalista de 51 anos, esposa de um socialista com alguma notoriedade, foi uma das fundadoras do Clube das Mulheres presidido por Eugénie Niboyet em 1848. Em 1871 é redactora do jornal de Blanqui La patrie en Danger. Também houve a “mulher Collet” uma das fundadoras do Comité de Vigilância e a “mulher Blondeau” , uma polidora de ouro que representava o 18ºbairro na União das Mulheres para a Defesa de Paris. Marie Lemonnier, viúva Cartier, modista de chapéus de 37 anos trabalhava nos postos médicos temporários e era representante do Comité de Vigilância para pedir escolas profissionais e orfanatos laicos. Acusada de ter levantado uma barricada na esquina entre as ruas Doudeauville e Stephenson, foi condenada a um ano de prisão. Paule Mink, uma jornalista socialista e feminista de 31 anos, de origem polaca, empenhou-se em todas as lutas solidárias com a polónia contra a opressão russa. Tal como Maria Deraismes e André Léo defendia os direitos políticos das mulheres durante as conferências que decorreram no Tivoli-Vauxhall e foi igualmente membro da Primeira Internacional. Muito activa nos clubes dos bairros 6º e 20º, abriu uma escola em Saint-Pierre de Montmartre. Conseguiu refugiar-se na Suíça depois da semana sangrenta. A “mulher Dauguet” combatente da Comuna foi deportada para a Nova Caledónia. E também Léodile Chamseix, com o nome de solteira Béra, chamada André Léo: grande figura do feminismo do século 19, romancista, lançou-se na acção política nos últimos anos do Segundo Império, nomeadamente participando na redacção do programa da “Sociedade de reivindicação dos direitos da mulher”. Durante a Comuna, criou com Anna Jaclard, o jornal La sociale, pertenceu à União das Mulheres para a Defesa de Paris e foi redactora do jornal La commune.
UMA FIGURA EMBLEMÁTICA
E claro, havia Louise Michel, a única mulher que conseguiu escapar à relativa invisibilidade póstuma na qual caíram a maior parte das suas companheiras. Nascida a 29 de Maio de 1830, filha ilegítima de um aristocrata liberal e de uma criada, ela e a sua mãe foram corridas da casa onde passou a sua infância no dia seguinte à morte do seu suposto pai. Apaixonada pelo ensino, abriu uma “escola livre” em Haute-Marne onde se praticava uma pedagogia inovadora. Chegada a Paris em 1855, foi professora no 10ºbairro, antes de exercer no 18º. Em primeiro, rue des Cloys, onde dirigia um externato, depois 24 rue Oudot ( não se trata da rue Houdon como se lê frequentemente, a rue Oudot tornou-se na rue Championnet em 1877) e finalmente na rue du Mont-Cenis. Foi evidentemente uma mulher de todas as lutas. Presente no dia 18 de Março para defender os canhões de Montmartre, andava não só pelo Comité de Vigilância, mas também no clube de Reine Blanche que se reunia numa sala de baile com o mesmo nome, no local onde ulteriormente foi construído o Moulin-Rouge, no clube da Boule Noire, sitiado no número 120 do Boulevard de Rochechouart e sobretudo no clube da Revolução da igreja Saint-Bernard, onde se encontrava com Théo Ferré e 3000 mulheres e homens do bairro. Ferida nas barricadas erigidas no topo da actual rue de Clignancourt, foi igualmente detida no cemitério de Montmartre, condenada à deportação perpétua e enviada para a Nova Caledónia de onde só regressa em Novembro de 1880.
Muitas destas mulheres, e muitas outras mais de que perdemos o rasto, encontraram-se durante a Semana Sangrenta, nos limites entre os bairros 18º e 9º, na praça Blanche, onde estava a única barricada totalmente defendida por mulheres combatentes. Depois da derrota da Comuna, muitas vozes masculinas, mas também femininas levantaram-se para denegri-las e acusá-las dos piores crimes, sempre cheios de preconceitos frequentemente aplicados às mulheres. Outras vozes, mais raras, ousaram saudar o seu compromisso. Lembramo-nos da voz de um jovem poeta de 16 anos, ele também comprometido com a Comuna de Paris: Arthur Rimbaud. Quando escreveu Les mains de Jeanne-Marie em Fevereiro de 1872, é nestas mulheres que ele pensava. Damos-lhe a palavra para concluir o modesto testemunho dos seus combates:
Empalideceram, maravilhosas,
Num sol carregado de um grande amor
No bronze das metralhadoras
Por um Paris insurrecto!
Tradução Ana da Palma de Philippe Darriulat in Le 18e du mois, nº291, mars 2021, pp. 16-18 .