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ARESTAS

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Tradução: COMUNA DE PARIS, 1871, AS MULHERES MOBILIZADAS  | de Philippe Darriulat

COMUNA DE PARIS, 1871, AS MULHERES MOBILIZADAS

Foi exactamente há cento e cinquenta anos. Este ano há muitas as manifestações comemorativas sobre acontecimento excepcional  que, como qualquer acontecimento, como qualquer momento da história humana, só foi possível devido ao envolvimento de mulheres e de homens. E há que reconhecer que as primeiras, apesar de terem estado tão presentes como os segundos, foram muito mais depressa esquecidas. Esta marginalização memorial pode ser explicada de várias maneiras. Primeiro, é sem dúvida a consequência do facto da história e da memória, por terem sido durante muito tempo obras exclusivamente masculinas, tenderem a minimizar o lugar ocupado pelas mulheres.  Segundo, trata-se provavelmente de uma realidade mais prosaica, pois a participação feminina na Comuna fez-se fora da estrutura governamental oficial em que apenas homens participavam. Para agir, para serem ouvidas, as mulheres tiveram que utilizar outros meios aos que apenas uma história do “basta” pode dar vida e que demorou muito tempo antes de se impor. 

PORTADORAS DE REIVINDICAÇÕES ESPECÍFICAS

Como os órgãos representativos da Comuna de Paris não eram mistos, houve consequências nas decisões deste governo revolucionário que nunca chegou a propor o direito de voto para as mulheres, apesar de ter sido muito audacioso nas áreas sociais e políticas: a separação da Igreja e do Estado, o reconhecimento das formas de democracia directa, a cidadania para estrangeiros, a laicização do ensino, o princípio da escola gratuita e obrigatória, a requisição das oficinas abandonadas, a supressão dos exércitos permanentes, a proibição do trabalho nocturno, a requisição das habitações vazias, etc.. Este direito de voto, as Comunardas não o reclamaram, nem exigiram o poder de participar no governo. 

Desde 19 de Julho de 1870, data da declaração da guerra franco-prussiana, as vozes das mulheres reforçou-se consideravelmente. Durante o longo e gelado inverno, em que Paris foi sitiada pelo exército prussiano, foram elas que, todas as manhãs, desafiando o frio e o cansaço, faziam longas filas à frente das lojas vazias para tentar conseguir um pouco de comida. Nessas filas, falavam certamente da vontade patriótica de resistir à invasão, da fome, do frio, dos burgueses de Paris que fugiram os rigores do estado de sitio, das necessidades da população faminta e abandonada. Não é portanto estranho que estas mulheres tenham querido ser actrizes dos acontecimentos nos quais participavam: constituíram sociedades de socorros e postos médicos temporários, organizaram refeições para as crianças, formaram oficinas de 600 operárias, participaram nos numerosos clubes, alguns eram exclusivamente femininos, e criaram a União das Mulheres para a defesa de Paris e os cuidados aos feridos. A 18 de Março de 1871, quando os soldados do general Vinoy subiram aos contrafortes da colina de Montmartre para requisitar os canhões pagos com as contribuições patrióticas e populares, elas eram sem dúvida maioritárias na multidão que se opôs a esta intervenção, foram elas que fraternizaram com os soldados e, nessa noite, na rue des Rosiers (actualmente rue du Chevalier de la Barre) foram elas que mandaram fuzilar os generais Clément-Thomas e Lecomte.

A voz destas mulheres foram portadoras de reivindicações específicas: pediram a criação de infantários, pregaram o direito ao divórcio, o reconhecimento da união livre, a igualdade social no seio do casamento, obtiveram o fecho dos lupanares e a proibição da prostituição na via pública, exigiram que para trabalho igual os seus salários fossem iguais aos dos homens, etc. Algumas pediram igualmente o direito de poder participar nos combates: assim, a 13 de Maio de 1871, uma centena delas foi até ao Hôtel de Ville para reclamar armas. 

RETRATO DE COMUNARDAS COMBATENTES

Tentámos reencontrar vestígios, no 18ºbairro de Paris, onde tudo começou a 18 de Março de 1871. Temos que nos lembrar de Marguerite Boivin, uma costureira de 37 anos, ferida a 18 de Março na Colina quando se opunha à chegada dos soldados do general Vinoy. Marie Georget (esposa Voisin) de 24 anos, era, com o seu marido, cantineira do 154º batalhão da Guarda Nacional e foi a instigadora de uma petição pedindo a laicização do pessoal das escolas. Presa a 22 de Maio, na rua Cortot, detentora de uma “farda, um punhal e um revólver” foi detida em Versailles, Clermont e Rouen antes de ser absolvida em Março 1872. Anne Chéron, com nome de solteira Germain, uma lavandeira de 36 anos, que vivia no nº5 da rue Myrha, ajudada por Henriette Bouquin que morreu na prisão, preparava a sessão do clube blanquista da Revolução que se reunia na igreja Saint-Bernard. Foi detida a 31 de Maio, deportada para a Nova Caledónia de onde só regressou em 1879. Joséphine Poinboeuf, conhecida por Alix, mulher submissa - prostituta inscrita oficialmente nos registos da polícia - de 30 anos, vivendo no 25 rue de la Charbonnière, foi condenada a quinze anos de trabalhos forçados por ter sido “cúmplice na detenção de um sargento da cidade”. Também houve Marie Lavernoy, esposa May, costureira de 31 anos, residindo no 12 rue Doudeauville. E Henriette Dellière, ela também costureira (havia muitas em Paris e particularmente no 18ºbairro), companheira do porta-estandarte do 257º batalhão. Esta foi acusada de ter pilhado alimentos em Neuilly para trazê-los para Paris. Ou ainda Céleste Hardouin, que não teve um papel de primeiro plano, mas que foi “detida a 7 de Julho de 1871 quando estava com os seus estudantes”, foi aprisionada em Versailles e absolvida a 17 de Outubro. Publicou um livro, La détenue de Versailles, em 1879, felizmente um texto reencontrado e reeditado pela sua bisneta… ela também professora no 18ºbairro.

AS MILITANTES DO CLUBE VERMELHO

Para encontrar estas mulheres o melhor era ir até Château Rouge. Desde 1847 havia uma famosa sala de baile. Durante a Comuna, servia para as reuniões do Comité de Vigilância de Montmartre. Criado por Georges Clemenceau, presidente da câmara do 18ºbairro, a 4 de Setembro de 1870, no dia em que Léon Gambetta proclamava a República, este clube desempenhou um papel determinante na defesa dos canhões de Montmartre. Estava dividido entre um clube masculino e um clube feminino. A sua reputação de clube vermelho era bem estabelecida. Louise Michel, nas suas Mémoires, falava dele nestes termos: “ O 18ºbairro era o terror dos gananciosos e outras espécies. Quando se dizia: Montmartre vai descer! Os reaccionários enfiavam-se num buraco, tal como animais perseguidos, e fugiam deixando comida a apodrecer nos seus esconderijos enquanto Paris morria à fome. 

Neste clube feminino, podia-se cruzar muitas militantes, belas personagens que devemos tirar do anonimato. 

Em primeiro, havia aquela que com o seu cinto vermelho e insígnia, presidia às sessões: Sophie Doctrinal, esposa Lemarcand, chamada Poirier, uma costureira de 41 anos. Durante o estado de sítio, ela dirigia um ateliê que empregava até 80 trabalhadoras com as quais ela partilhava os seus benefícios. Na véspera da Comuna, o ateliê teve que fechar e tornou-se num posto médico temporário. Muito atenta à defesa dos direitos das mulheres, Sophie Doctrinal foi condenada a 10 de Abril de 1872 à deportação em recinto fortificado. Morreu na prisão, na central de Auberive, a 21 de Maio de 1879. Estava acompanhada por duas vice-presidentas, as mulheres Tesson e Barois, esta última tendo sido particularmente activa na luta contra a prostituição.

FEMINISTAS, SOCIALISTAS, JORNALISTAS…

Conhecemos bem a secretária do Comité, trata-se de Anna Jaclard, com nome de solteira Korvin-Krukovskaja. Esta mulher russa, blanquista e militante da Internacional, tinha então 26 anos. Filha de um general, descendente de uma velha família da aristocracia russo-lituana, conheceu muito bem Fyodor Dostoiévski que publicara um dos seus contos e que lhe tinha pedido de casar com ele em 1865. Ainda que tenha recusado esta proposta, conservou relações amistosas e epistolares com o famoso escritor. Foi na mesma altura que deixou a Rússia para se instalar em França onde conheceu o seu esposo, um revolucionário com quem foi obrigada a exilar-se em Genebra. De regresso a Paris, a 13 de Fevereiro de 1871, participa na Comuna, nomeadamente no seio do Comité de Vigilância onde foi, entre outras coisas, delegada dos hospitais e postos médicos temporários, cuidando pessoalmente dos feridos. Foi condenada por contumácia a 29 de Dezembro de 1871 aos trabalhos forçados à perpetuidade. Conseguiu fugir para a Suíça com o seu marido e seguidamente para a Rússia, só regressou a Paris em Junho de 1879, quando foi perdoada. Marie-Adrienne Colleville, chamada Bontemps, lavandeira de 45 anos, condenada por contumácia à deportação, conseguiu exilar-se em Londres. Lydie Rollat, esposa Larché, fabricante ou vendedora de camisas, vivendo no 30 rue Doudeauville, foi condenada a 23 de Maio de 1872 a dois anos de prisão e a cinco anos de vigilância. Adèle Esquiros, com o nome de solteira Battanchon, poeta e jornalista de 51 anos, esposa de um socialista com alguma notoriedade, foi uma das fundadoras do Clube das Mulheres presidido por Eugénie Niboyet em 1848. Em 1871 é redactora do jornal de Blanqui La patrie en Danger. Também houve a “mulher Collet” uma das fundadoras do Comité de Vigilância e a “mulher Blondeau” , uma polidora de ouro que representava o 18ºbairro na União das Mulheres para a Defesa de Paris. Marie Lemonnier, viúva Cartier, modista de chapéus de 37 anos trabalhava nos postos médicos temporários e era representante do Comité de Vigilância para pedir escolas profissionais e orfanatos laicos. Acusada de ter levantado uma barricada na esquina entre as ruas Doudeauville e Stephenson, foi condenada a um ano de prisão. Paule Mink, uma jornalista socialista e feminista de 31 anos, de origem polaca, empenhou-se em todas as lutas solidárias com a polónia contra a opressão russa. Tal como Maria Deraismes e André Léo defendia os direitos políticos das mulheres durante as conferências que decorreram no Tivoli-Vauxhall e foi igualmente membro da Primeira Internacional. Muito activa nos clubes dos bairros 6º e 20º, abriu uma escola em Saint-Pierre de Montmartre. Conseguiu refugiar-se na Suíça depois da semana sangrenta. A “mulher Dauguet” combatente da Comuna foi deportada para a Nova Caledónia. E também Léodile Chamseix, com o nome de solteira Béra, chamada André Léo: grande figura do feminismo do século 19, romancista, lançou-se na acção política nos últimos anos do Segundo Império, nomeadamente participando na redacção do programa da “Sociedade de reivindicação dos direitos da mulher”. Durante a Comuna, criou com Anna Jaclard, o jornal La sociale, pertenceu à União das Mulheres para a Defesa de Paris e foi redactora do jornal La commune.

UMA FIGURA EMBLEMÁTICA

E claro, havia Louise Michel, a única mulher que conseguiu escapar à relativa invisibilidade póstuma na qual caíram a maior parte das suas companheiras. Nascida a 29 de Maio de 1830, filha ilegítima de um aristocrata liberal e de uma criada, ela e a sua mãe foram corridas da casa onde passou a sua infância no dia seguinte à morte do seu suposto pai. Apaixonada pelo ensino, abriu uma “escola livre” em Haute-Marne onde se praticava uma pedagogia inovadora. Chegada a Paris em 1855, foi professora no 10ºbairro, antes de exercer no 18º. Em primeiro, rue des Cloys, onde dirigia um externato, depois 24 rue Oudot ( não se trata da rue Houdon como se lê frequentemente, a rue Oudot tornou-se na rue Championnet em 1877) e finalmente na rue du Mont-Cenis. Foi evidentemente uma mulher de todas as lutas. Presente no dia 18 de Março para defender os canhões de Montmartre, andava não só pelo Comité de Vigilância, mas também no clube de Reine Blanche que se reunia numa sala de baile com o mesmo nome, no local onde ulteriormente foi construído o Moulin-Rouge, no clube da Boule Noire, sitiado no número 120 do Boulevard de Rochechouart e sobretudo no clube da Revolução da igreja Saint-Bernard, onde se encontrava com Théo Ferré e 3000 mulheres e homens do bairro. Ferida nas barricadas erigidas no topo da actual rue de Clignancourt, foi igualmente detida no cemitério de Montmartre, condenada à deportação perpétua e enviada para a Nova Caledónia de onde só regressa em Novembro de 1880.

Muitas destas mulheres, e muitas outras mais de que perdemos o rasto, encontraram-se durante a Semana Sangrenta, nos limites entre os bairros 18º e 9º, na praça Blanche, onde estava a única barricada totalmente defendida por mulheres combatentes. Depois da derrota da Comuna, muitas vozes masculinas, mas também femininas levantaram-se para denegri-las e acusá-las dos piores crimes, sempre cheios de preconceitos frequentemente aplicados às mulheres. Outras vozes, mais raras, ousaram saudar o seu compromisso. Lembramo-nos da voz de um jovem poeta de 16 anos, ele também comprometido com a Comuna de Paris: Arthur Rimbaud. Quando escreveu Les mains de Jeanne-Marie em Fevereiro de 1872, é nestas mulheres que ele pensava. Damos-lhe a palavra para concluir o modesto testemunho dos seus combates: 

Empalideceram, maravilhosas,

Num sol carregado de um grande amor

No bronze das metralhadoras

Por um Paris insurrecto!

Tradução Ana da Palma de Philippe Darriulat in Le 18e du mois, nº291, mars 2021, pp. 16-18 .

à espera de Louise

On ne peut  pas tuer l’idée à coups de canons ni lui mettre des poucettes (1) (Michel, 2015, 42) 

Mère, pourquoi frémir quand je te dis mon rêve? (2) (Michel, 1905, 63)

 

As pessoas foram chegando a partir das 10 da manhã. Pouco a pouco uma massa formava-se junto à estação (3). Um telegrama enviado de Londres e publicado no jornal L’Intransigeant (4) indicava que Louise Michel e “alguns amigos do degredo” chegariam no dia 9 de Novembro às 11 da manhã na estação de comboios Saint-Lazare. Apesar das estratégias iniciadas pelo governo francês (5) para controlar os excessos e minimizar o impacto do regresso (6) de todas as pessoas condenadas pela sua participação na Comuna de Paris (7), apesar da premente censura, do controlo social, de ter declarado a 23 de Maio de 1880 que a bandeira vermelha, a bandeira da igualdade social, fora ilegal, o povo esperava a “heroína da comuna”, um símbolo da revolta, uma militante comprometida, uma mulher “sem manchas” (8). Mas, mito ou realidade, se Louise Michel representa alguma coisa é que relembra as 1051 mulheres processadas pelos 26 conselhos de guerra, as que foram mortas à entrada das tropas de Versailles em Paris, as que conseguiram escapar, como Victorine Brocher (9) que com a bandeira vermelha enrolada à volta do busto, disfarçou-se de criança, escondeu-se e fugiu, outras como Alix Payen (10) estavam a viver momentos dolorosos de sangue e morte e nunca chegaram a entrar nos registos militares criminais da história da Comuna. É também não esquecer a barbaridade suplementar exercida sobre as mulheres da Comuna, quando os tribunais procuraram provar que eram “pétroleuses” (11), de sexualidade desviante, concubinas, putas, lésbicas, de moralidade comprometida, ladras, histéricas ou criminosas e as violações ocultadas frequentemente incentivadas pelos oficiais, como transparece no relato de Elie Reclus (12). A populaça foi acolher a comunarda, a mulher armada e fardada de guarda nacional, a mulher que desafiou os seus captores (13), aquela que lutou nas barricadas e que participou nos clubes (14). À espera de Louise nessa manhã de Inverno, o povo de Paris foi homenagear todas as pessoas que se empenharam na organização, nos ideais da Comuna e que lutaram pela justiça e liberdade perspectivada numa república social e as que morreram – de que ainda hoje não se sabe ao certo o número (15). Revisitar a Comuna com Louise Michel é mergulhar numa história deliberadamente esquecida e deturpada (16). Segundo os jornais da época (17), estavam cerca de 20 000 pessoas junto à estação. Toda a gente esperava e Louise nunca mais chegava. Mas não foi a comunarda blanquista que chegou nesse dia. Não foi só a degredada (18) que chegou a Paris, aquela que tomou o partido dos Canacos revoltados em 1878, foi uma mulher cuja sensibilidade e empatia evoluiu politicamente, foi Louise Michel a Anarquista que chegou nesse dia 9 de Novembro por volta do meio-dia, no comboio vindo de Dieppe, vestida de preto – como sempre, desde o assassinato de  Victor Noir – e lenço vermelho, um chapéu de feltro com uma flor vermelha.

 

Notas:

1) Michel, Louise (2015 [1898]). La Commune. Paris: La découverte. Edição de 1898 disponível em pdf em gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France. [“Não se pode matar a ideia com canhonadas nem agrilhoá-la.”]

2) Michel, Louise (1905). Œuvres Posthumes. Volume premier. Avant la Commune. Alfortville: Librairie Internationaliste. Disponível em pdf em gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France. [“Mãe, por que estremecer quando te digo o meu sonho?”]

3) Louise Michel lembra-se: “(…) puis à Paris la foule, la grande foule houleuse qui se souvient” (Op.Cit.2015, 418) [ “(…) depois em Paris a multidão, a grande multidão tumultuosa que se lembra.”]

4) L’Intransigeant, mardi 9 novembre 1880, Red. Henri Rochefort. Fonte: gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France.

5) Além da censura, da dissolução da guarda nacional, e da lei de 14 de Março de 1872 contra membros da Associação Internacional de Trabalhadores [ Ministère de l'intérieur. Bulletin officiel du Ministère de l'intérieur. 1872. nº6 disponível em pdf em gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France]. Os habitantes de Paris viram a organização municipal ser entregue a um prefeito com poderes executivos e o policiamento entregue ao prefeito da polícia, ambos nomeados pelo Estado, até 31 de Dezembro de 1975 quando o cargo de um(a) eleito(a) “presidente de câmara” foi reestabelecido.

6) Lei de Amnistia parcial de 3 de Março de 1879 e finalmente uma lei de amnistia total de 11 de Julho de 1880.

7) A comuna de Paris, 72 dias de experimentação de uma república social por meio de vários socialismos num contexto de guerra, decorreu de 18 de Março a 28 de Maio 1871. A chamada “semana sangrenta”, foi o esmagamento da comuna pelo Estado francês em que o sangue do povo escorreu pelas margens do rio Sena, decorreu de 23 a 28 de Maio.

8) Foram muitos os nomes que lhe foram dados dos mais gloriosos aos mais horrendos e depreciativos.

9) Brocher, Victorine (2019). Souvenirs d’une morte vivante. Une femme dans la Commune de 1871. France: Éditions Libertalia.

10)  Payen, Alix (2020). C’est la nuit surtout que le combat devient furieux. Une ambulancière de la Commune, 1871. France: Éditions Libertalia.

11) Significa incendiárias, o termo ficou conotado depreciativamente com a Comuna. Thomas, Édith (2021[1963]). Les “Pétroleuse”. Paris: Gallimard. Élisabeth Retif, Joséphine Marchais, Eugénie Suétens e Eulalie Papavoine acusadas de terem incendiado Paris, acusadas de serem pétroleuses, uma acusação nunca provada, foram condenadas à morte, mas acabaram por ser deportadas (Op. Cit.2015, 340-341).

12) Elie Reclus (1908). La Commune de Paris au jour le jour, 1871, 19 mars-28 mai. Paris: Schleicher Frères Éditeurs. Fonte: gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France.

13) No dia 16 de Dezembro de 1871,  havia 7 acusações contra Louise Michel, das sete apenas uma foi considerada, a terceira: “o porte e uso de arma e da farda de guarda nacional”. Louise Michel devant le 6e conseil de guerre : son arrestation par elle-même, dans une lettre au citoyen Paysant. 1880. A transcrição integral do processo encontra-se disponível na: Gazette des tribunaux : journal de jurisprudence et des débats judiciaires. 1871-12-17 Fontes: gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France.

14) Os chamados clubes eram locais de encontro para discussão de assuntos importantes ou para leituras. Ver Édith Thomas no livro citado, capítulo VI Os clubes. (2021[1963], 137-155).

15)  Audin, Michelle (2021). La semaine sanglante. Mai 1871. Légendes et comptes. France: Éditions Libertalia.

16) Além de ter prevalecido a história dos vencedores, a comuna de Paris só veio mencionada nos manuais escolares do 10º em humanísticas em 2002. Fournier, Éric (2013). La commune n’est pas morte. Les usages politiques du passé de 1871 à nos jours. France: Éditions Libertalia.

17) Le Gaulois: littéraire et politique. 1880-11-10  e o jornal La Justice / dir. G. Clemenceau ; réd. Camille Pelletan. 1880-11- 11. Fonte: gallica.bnf.fr / Bibliothèque nationale de France.

18) “J’ai raconté bien des fois comment pendant le voyage de Calédonie je devins anarchiste.” (Op.Cit.2015, 385) [“Contei várias vezes como me tornei anarquista durante a viagem à Caledónia.”]

Ana da Palma [publicado na Revista de Cultura Libertária, A Ideia  - II.a série – ano XLVII – vol. XXIV –números 94/95/96 – Outono de 2021 -  150 anos da Comuna de Paris (1871-2021)]

Abecedário de um confinamento (5): Bestiário 

Atrás das janelas, somos uma espécie de bichos que acolhem outros bichos, neste caso o coronabicho. Olhamo-nos passar sem nos ver e por vezes sem querer ser vista(o). Que vidas carregam este passo curto, este caminhar arrastado ou indiferente, este andar em linha recta ou em ziguezague. Em confinamento na cidade, somos uma espécie ansiosa, curiosa, angustiada, deprimida, desassossegada, carente, covidada, uma espécie em estado de alerta, à espera. Atrás do obrigatório distanciamento social, uma das actividades essenciais de algumas pessoas foi passear a cadela, o cão, a gata, o gato e até o coelho. Creio que nunca vi tantos canídeos na rua que durante o confinamento. Foram as palavras que se trocaram com pessoas desconhecidas na distância de uma trela, palavras simples, insignificantes, informativas ou descritivas que por vezes abordavam as questões mais prementes da vida social, política, económica, ambiental ocasionadas pelo momento. Sem a poluição sonora do costume, houve um conjunto de pássaros que se fizeram ouvir. Da janela, as gaivotas habituais continuavam a acasalar, entretanto chegaram as andorinhas e na horta caracóis, muitos caracóis, uma invasão de caracóis de todos os tamanhos e lesmas gigantes de um castanho claro quase amarelo. Só mais recentemente chegaram as pulgas, as moscas, os mosquitos e algumas tímidas melgas.

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Abecedário de um confinamento (4): Língua 

 

Porto 23:03:2020 Não me Covides

Na língua de todos os dias os efeitos da pandemia pela covid 19 tem os seus impactos. Por um lado, verifica-se através do uso de vocábulos novos em tudo o que concerne o dia-a-dia, envolvendo os gestos barreira, o kit de protecção de que muita gente anda munida quando sai à rua: a máscara ou viseira recentemente obrigatória, as luvas e o gel hidroalcoólico, até ao cúmulo da hostilidade latente ou prudência covidiana no receio de falar com a(o) vizinha(o) ou sentir de forma premente uma noção confusa e difusa do espaço que nos distância, como se o(a) Outro(a) fosse à partida uma possível fonte ou vector de contaminação. Depois há os coronalouca(o)s obcecoronada(o)s pelas questões do distanciamento físico, o grau superior do distanciamento social, e que ocasionalmente no supermercado, passam por ti a ralhar porque há três pessoas naquele corredor e quer na passagem, quer na escolha de um produto é claro que é impossível manter os dois metros ou até metro e meio de distância, simplesmente porque a largura dos corredores não o permite, mas o que é fascinante é que a pessoa, ainda que ralhando, passa na mesma. Ando a matutar uma questão premente que me desatina a razão, pois pergunto-me qual é a verdadeira distância necessária quando andamos de máscara no corredor de um supermercado? Num passeio? Na quinta do Covelo? Num jardim qualquer? A verdade é que bem me podem rotular de covidiota, ou de coronaburra, mas não vejo a necessidade de andar de máscara quando vou à Quinta do Covelo ou a outro jardim às 7 da manhã sendo que, quando ocorre, até me cruzo a muito mais de dois metros de distância com quem quer que seja.  Na primeira quarentena de 15 dias no Porto, a população praticou o coronaziamento ao armazenar compulsivamente produtos e alimentos, esvaziando as prateleiras como se o fim do mundo estivera ao virar da esquina. Nessa altura, já se andava a criar neologismos “Ó bófia não me covides!” foi inscrito numa parede. Noutra, no início de um confinamento que já indiciava as sementes da covidepressão ou de um deprimavirus, brincava-se com as palavras: “Não faça festas com 20 pessoas…Convid 19”. Rapidamente se criaram redes de recolha e distribuição de produtos e bens essenciais para as pessoas mais carenciadas, houve então grupos solidavid19 ou coronasolidarios. A verdade foi que ficar em casa todos os dias fez com que segunda era terça, era quarta, era quinta, era sexta, era sábado e domingo, os dias todos eram covidafeira ou coronafeira, não havia meio de distinguir mesmo em telescola ou teletrabalho já que os espaços se confundiram. Já não havia fora, tudo ficava dentro e até se podia andar de pijama ou algo parecido o dia inteiro. Os hipocondrifinados por vezes revelavam a sua paranoivirus de tanto trilhar o coronacirco das redes sociais, ou do telejornal. A infodemia levou-nos a consultar os números do dia anterior para saber quantas e quantos covidada(o)s, quantas e quantos descovidada(o)s. Com tanto distanciamento, perguntamo-nos como se chegou a conceber os que ainda sem saber já se chamam os corona boomers.

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Abecedário de um confinamento (2): Casa

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Não dizemos que estamos fechados em casa, mas confinados e até criámos uns novos hashtags (#FiqueEmCasa e #vaificartudobem). Das sete entradas no dicionário para a palavra “confinamento” podemos ver que curiosa e singularmente todas elas se aplicam à situação: “1- ato ou efeito de confinar; 2- situação do que é limítrofe ou contíguo; 3- fronteira; limite; 4- ato ou efeito de restringir a um espaço limitado; 5- estado de quem está em local fechado ou área reservada, afastado do contacto com outros (por punição, doença ou outro motivo); 6- isolamento; 7- condição do que é limitado, específico, não abrangente.” A casa hifenizou-se em múltiplas funções sem nunca chegar a ser o que realmente era uma casa-prisão. Tornou-se a casa-fábrica com o teletrabalho. Na primeira quinzena da quarentena as janelas pulavam de músicas diversas era uma coronafonia por vezes cacofónica ou melhor um cacovirus da casa-discoteca. No confinamento covidiano com o distanciamento social, a socialização foi à teledistância ou fez-se a zoomar e então na casa-café ou casa-bar, tomámos um copo ou um café à distância e coronizamos ou telecovidamos ao tomar um cocktail e chamamos-lhe: locktail; ao tomar um aperitivo e chamamos-lhe: coronaperitivo,  whatsaperitivo, skypaperitivo; se for um martini é um quarentini, se for uma vodka poderá ser um vodkafone, um whisky será um whiskype. Adaptação e criatividade não faltaram aos que se encontravam em covimodo. Na casa-ginásio, para combater a imobesidade praticavam-se coronabdominais. Parece que, para as autoridades sanitárias do Estado, a obrigação ou a ordem de ficar em casa era simples e fácil. Contudo, não se contou com quem não tem casa, quem não se sente em casa na sua casa, ou quem não quer ter casa. Dentro da casa, a profunda nudez não apenas a do corpo, mas a do ser que se revela tanto no aconchego da privacidade como na intimidade de uma violência psíquica ou física. Todo o dispositivo que preexistia para a concretização da vida na caverna de platónica do século XXI fez subitamente sentido: homebanking, encomendas online, entregas a domicílio, em breve a democratização do frigorífico saudavelmente inteligente, espio dos centros de saúde e das asseguradoras, mas para já vulgarizar a preferência higiénica do pagamento por multibanco, as formas simples de deixar as nossas pegadas e potencialmente sermos seguidos ou vigiados por aplicações supostamente destinadas a proteger-nos da COVID-19: brevemente todas as pessoas poderão optar por ser covigiadas!

 

Abecedário de um confinamento (1): Construção

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Em pleno confinamento, os locais de construção ou obras na cidade eram como navios. Cedo de manhã os únicos tripulantes eram os pedreiros sem contrato. Tomavam café em copos de plástico na rua e seguiam para o trabalho. Os sons da cidade vinham das gruas, berbequins, rebarbadoras, serras e por vezes as marteladas elegantes  alternavam-se com a broca de 11mm. O canto do pedreiro durante o confinamento foi uma melodia assobiada ou cantarolada em construção, foi a colher do pedreiro no horizonte da tachola. Ao fim do dia de trabalho com o riso do melro vinham as espátulas a rasparem os restos de cimento e as últimas marteladas antes do recolher.

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